MÍRIAM LEITÃO O GLOBO
O BC brasileiro nunca teve autonomia formal, o da Argentina tinha na lei, mas ela não foi respeitada. No fim das contas, a autoridade monetária no Brasil acabou tendo um desempenho muito melhor na resistência às pressões políticas.
A inflação nunca ficou no centro da meta durante todo o período Dilma e terminou 2015 chegando aos dois dígitos. Este ano, a inflação está caindo e as expectativas estão sendo revistas para melhor nas últimas semanas. Para se ter uma ideia, no final de fevereiro a previsão feita pelo mercado através do Boletim Focus era de que a inflação deste ano seria de 7,56% e na última semana fechou em 6,98%. Ao longo deste ano pode haver, ao todo, uma queda da taxa anual de inflação de quatro pontos percentuais.
Ainda que seja o resultado da recessão, a queda da inflação é boa notícia porque elimina o temor de que o país estivesse prisioneiro de uma armadilha que nos levaria a ter recessão forte e inflação alta, situação na qual não haveria o que o BC pudesse fazer. Agora, esse temor começa a se dissipar, porque a taxa está ainda alta, mas descendo. A inflação de serviços está caindo, porque é a mais afetada pela recessão. Com isso, o provável governo Temer poderá reduzir a taxa de juros em breve. Esse é um dos poucos pontos positivos da herança que uma administração receberá da outra.
Houve também muita pressão política sobre o Banco Central para que houvesse liberação de compulsório. Hoje, há R$ 400 bilhões de recolhimento compulsório. Parecia uma boa ideia a liberação de parte desse dinheiro, mas, na verdade, não era. Em época de confiança baixa, não adianta muito reduzir o recolhimento de liquidez ao BC porque acaba virando dívida pública e tendo pouco efeito para o que se quer, que é estimular o crédito e recuperar o crescimento. Mas se um novo governo conseguir recuperar um pouco o nível de confiança dos agentes econômicos, e a inflação convergir para a meta, é possível que esse instrumento possa ser utilizado.
Bastou haver a perspectiva de um novo governo para cair muito a taxa de câmbio. Este ano, a moeda americana teve uma desvalorização de 13% sobre o real. Fundos cambiais e empresas passaram a desfazer suas posições de seguro em dólar. Com nível alto de hedge, ficaram apenas os investidores estrangeiros. O BC então tirou US$ 40 bilhões do total que tinha em swap cambial. Como os analistas fazem a conta de reservas líquidas, que são as reservas menos a posição que o BC tem de swap, houve um aumento recente das reservas líquidas em US$ 40 bi.
A conta-corrente teve, nos últimos meses, um forte ajuste. Outro ponto positivo da conjuntura que vive num mar de dados negativos. A previsão é de que este ano o déficit seja de apenas US$ 25 bilhões — muito menor do que os US$ 104 bilhões do pico em 2014. O investimento direto estrangeiro estava em US$ 77 bilhões no acumulado de 12 meses em fevereiro. Está caindo, mas deve fechar o ano em US$ 60 bilhões, o que significa que o deficit será mais do que coberto por investimentos externos.
Na área monetária, o país será entregue de uma para outra administração com vários indicadores positivos. Desta forma, se o novo governo fizer alguns movimentos corretos pode-se restaurar um pouco a confiança que está em nível muito baixo. Na área fiscal, no entanto, o mercado está prevendo que o país fechará o ano com um déficit de 2% do PIB, R$ 120 bilhões. Uma enormidade e sem chance de reversão.
A estabilidade financeira é outro fator tranquilizador. O país está passando por um encolhimento do produto de 8% em dois anos e não há bancos em dificuldade. Há quem diga, no mercado, que o nível de inadimplência tem sido camuflado pelas renegociações constantes com os devedores. Mas o fato é que os bancos têm conseguido absorver a crise das empresas, renegociando as dívidas e elevando provisões.
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