Jornalista Andrade Junior

sábado, 5 de setembro de 2015

"Explorando o residente",

por Hélio Schwartsman FOLHA DE SÃO PAULO

Como esperado, a adesão dos jovens profissionais aos programas de residência em medicina da família tem sido baixa. Apenas uma de cada quatro vagas disponíveis vem sendo preenchida.
Não dá para culpar a garotada. Se eu fosse um recém-formado, dificilmente escolheria essa área de especialização. O médico de família, afinal, tende a ganhar menos do que o de outras especialidades, fica com a oferta de empregos muito restrita ao setor público e ainda atua num campo visto como intelectualmente menos estimulante do que a cardiologia ou a neurologia, por exemplo.
Não é que a ideia dos sanitaristas de criar uma eficiente rede de atenção primária à saúde seja destrambelhada. Um sistema universal como pretende ser o SUS precisa mesmo seguir uma hierarquia na qual o generalista atua antes do especialista, o que exige muito mais profissionais do primeiro tipo do que do segundo.
O problema é que, num país capitalista e livre como é o Brasil, o caminho para expandir a rede de atenção primária passa menos pelas canetas dos ministros e mais por mecanismos de mercado. O governo é o maior empregador de médicos do país, o que lhe dá excelente poder de barganha. Se entende que há carência de generalistas, deve fazer com que ela se reflita nos preços relativos, pagando mais a médicos de família do que aos de outras especialidades.
Apenas criar vagas em medicina da família e depois obrigar os residentes de praticamente todas as especialidades a estagiar por um ou dois anos em atenção primária –o que ocorrerá a partir de 2019–, além de autoritário, traz efeitos colaterais. Formar médicos já é absurdamente demorado. São seis anos de graduação e pelo menos dois de especialização, que podem chegar a cinco, dependendo da área escolhida. Alongar ainda mais esse período só faz sentido se a meta do governo for explorar a mão de obra barata do residente. Pode até funcionar, mas é feio.
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