Editorial da Folha de São Paulo
Antipatizar com delatores é uma questão pessoal, mas Dilma Rousseff
(PT), na condição de presidente da República, tem o dever legal de
respeitar um instituto admitido pela legislação brasileira –a norma mais
recente sobre o tema, aliás, foi sancionada pela própria petista em
2013.
Já não seria pouco, mas Dilma não se limitou a quebrar a liturgia do
cargo e a demonstrar incoerência. Procurando se esquivar de acusações
feitas pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, a presidente desmereceu
companheiros do passado, misturou democracia com ditadura e atacou um
mecanismo de defesa que auxilia as investigações.
Em Nova York, ao comentar irregularidades que Pessoa atribuiu ao
financiamento de sua campanha à reeleição, a petista afirmou: "Não
respeito delator, até porque estive presa na ditadura militar e sei o
que é. Tentaram me transformar numa delatora (...) e garanto que resisti
bravamente".
Dilma pode ter suportado a dor das sevícias; outros tantos sucumbiram.
Merecem o desprezo da presidente? Talvez ela tenha se deixado trair,
ainda hoje, pela "mitologia heroica" que, como descreve o jornalista
Elio Gaspari, era compartilhada por vítimas e algozes.
No livro "A Ditadura Escancarada", Gaspari ainda lembra algo de que
Dilma parece ter-se esquecido: a tortura surge como opção pelo "fato de
que ela funciona. O preso não quer falar, apanha e fala".
Isso nada revela sobre o caráter do torturado, mas diz muito acerca de
governos que aceitam essa desumanidade: são regimes ditatoriais que
ignoram o primado da lei e mandam às favas princípios caros às
democracias, entre os quais está o devido processo legal.
Embora advogados de envolvidos na Operação Lava Jato apontem abusos nas
prisões, não se tem notícia de violência física ou supressão do direito
de defesa. Não se confundem com ruptura institucional os eventuais
exageros processuais –mesmo porque estes têm sido debatidos nas mais
diversas instâncias competentes.
Também têm sido debatidas nos foros apropriados as informações
oferecidas por quem buscou um acordo de delação premiada em troca de
redução da pena. Como Dilma Rousseff bem sabe, a eficácia da colaboração
será levada em conta na concessão do benefício.
Se Ricardo Pessoa mentiu ao dizer que pagou propina no esquema da
Petrobras ou ao afirmar que deu dinheiro à campanha de Dilma por medo de
arruinar negócios com a estatal, a presidente pode ficar tranquila: ele
perderá a vantagem processual e suas acusações não levarão a nada, pois
ninguém há de ser condenado apenas com base na manifestação do delator.
Isso é o que garante a lei –a mesma lei que Dilma saudou durante as
eleições e que agora, cada vez mais isolada, pretende desacreditar.
extraídaderota2014blogspot
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