por Carlos Alberto Sardenberg O GLOBO
Presidente não pode autorizar despesas que não estejam autorizadas no Orçamento, este aprovado pelo Congresso
Roberto Setúbal não pode tomar dinheiro emprestado no Itaú, assim como
Lázaro Brandão não pode se financiar no Bradesco. Não podem nem ter
cheque especial nos bancos que presidem e do qual são acionistas. Isso é
para proteger a instituição financeira, seus clientes e o sistema. Se o
dono pode sacar no caixa do banco, é imenso o risco de que se abra um
saco sem fundo. Já houve quebradeira pelo não cumprimento dessa regra no
setor privado.
No setor público, a norma faz ainda mais sentido. O Tesouro (a União, o
governo) não pode pegar dinheiro emprestado nos seus bancos — e isso
para proteger a instituição, os clientes, o sistema e os contribuintes,
estes os donos em última instância, embora raramente respeitados.
Além disso, o/a presidente da República não pode autorizar despesas que
não estejam autorizadas no Orçamento, este aprovado pelo Congresso — um
sistema muito eficiente, embora nem sempre respeitado.
Está aí a base da Responsabilidade Fiscal. E que foi claramente
desrespeitada no governo de Dilma Roussef, como afirma o relatório do
ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União.
O caso mais simples: o seguro-desemprego é um programa mantido pelo
governo federal, pelo Tesouro, com recursos previstos no Orçamento. A
Caixa é agente, faz os pagamentos aos segurados, com dinheiro que recebe
do Tesouro. Presta um serviço, para o qual, aliás, é remunerada.
Portanto, se a Caixa não recebesse os recursos do Tesouro, não poderia
pagar aos segurados. Não deveria, aliás. E deveria ter autonomia
administrativa para fazer isso.
Aconteceu bem diferente: o Tesouro não fez os repasses e o governo
mandou a Caixa continuar pagando normalmente. Ou seja, nesse e em outros
casos, como no abono salarial, o governo sacou a descoberto, pegou
dinheiro por conta, prometendo cobrir o rombo mais à frente. Ora, isso é
um empréstimo, é a Caixa financiando o Tesouro numa espécie de cheque
especial.
Só que a operação não é assim registrada. Fica como um pequeno atraso,
nada demais, pessoal. Qual o problema, se sempre se fez assim?
A novidade é que, pela primeira vez, um relatório diz o óbvio ululante:
trata-se de um empréstimo e é ilegal. São as pedaladas. Fazendo isso
repetidas vezes, o governo Dilma gastou sem registrar o gasto. Ficou
devendo para Caixa, para o BB e para o BNDES, mas a coisa toda parecia
normal, que estava tudo em dia. E para quê? Para gastar mais do que o
autorizado pelo Congresso no Orçamento.
São duas ilegalidades. Primeira, empréstimos que não poderiam ser
tomados. Segunda, gastos além dos autorizados na lei maior, a Lei do
Orçamento.
A Responsabilidade Fiscal foi uma construção levantada depois do Real.
Um conjunto de leis, normas e acordos cujo objetivo foi colocar limites,
controles e transparência ao gasto público. Foi um aprendizado.
No início do governo FH, o Banco do Brasil recebeu um aporte de capital
de R$ 9 bilhões, em dinheiro da época. Estava praticamente quebrado,
justamente por causa das pedaladas. O governo federal abria uma linha de
crédito subsidiado para um determinado setor, o BB adiantava os
financiamentos e não recebia o ressarcimento do governo federal. Como
hoje.
O governo fluminense e suas estatais se financiavam no Banerj e, claro,
não pagavam nada. Que dívida? Por que pagar ao nosso próprio banco? O
mesmo aconteceu com o Banespa. Resultado: quebraram os governos, as
estatais e os bancos, atoladas em dívidas no final das contas
financiadas pelo contribuinte.
Regras de ouro, portanto: o governo não pode se financiar no seu banco;
tem que gastar menos do que arrecada; o gasto tem que ser autorizado
pelo Congresso e transparente. A gestão Dilma desrespeitou tudo isso com
manobras contábeis que procuraram esconder os fatos e iludir os
contribuintes.
Muita gente registrou, apontou e denunciou as manobras. Mas o ministro
Mantega e a presidente não estavam nem aí. Negaram as manobras até o
fim. É impressionante. Pareciam ter absoluta confiança de que não ia dar
em nada.
Daí a importância política do relatório de Augusto Nardes. É mais uma
peça da crise atual, mas também é mais um sinal de como as coisas estão
mudando. Não faz muito tempo, o TCU era uma aposentadoria de luxo para
políticos. Hoje, o relatório ainda não foi votado, a presidente Dilma
tem prazo para se defender formalmente, mas os dados levantados e
apontados pelo relator já fizeram o serviço — o serviço de mostrar que o
governante não pode fazer o que quer com o dinheiro dos outros.
Mas fica também um lado triste dessa história. Caramba, gente, essa
irresponsabilidade já havia sido praticada, deixou estragos, foram
corrigidos, com custos para o contribuinte, e... se faz tudo de novo?
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