Paulo Delgado O GLOBO
Os governos democráticos no Brasil abusam do direito de governar quando testam o limite do cidadão para a prudência e a temperança
Doutor Joaquim aplica Band-Aid no corpo do atropelado certo de que o
paciente sofre, mas não é bem sua dor que interessa. Não pode operá-lo,
temeroso da reação de quem provocou o acidente. Ganha tempo inadmissível
dando aulas de ficção para enfermeiros de Chicago, pois sabe que a dona
do hospital não está em condições de demiti-lo.
Os governos democráticos no Brasil abusam do direito de governar quando
testam o limite do cidadão para a prudência e a temperança. Os apetites
pessoais que têm levado nosso país a crises politicas rotineiras e
sucessivas não nascem da sociedade. Uma geração de descendentes e
vítimas do poder arbitrário está chegando ao fim, quatro gerações
depois, vendo a democracia como uma volúpia do poder sobre o desejo das
pessoas. Um estado de espírito que vai e volta, um período excelente,
que não dura e nunca é o que estamos vivendo.
A morte do idealismo no Brasil e da simplicidade da politica é resultado
da proliferação de líderes de comportamentos velados, cujo poder não é o
recebido dos eleitores. É a politica exercida como autoexame, mesmo que
sob a ótica de pessoas honestas, permitindo a vitória do mundo privado,
pessoal, sobre a farsa do universo constitucional que não rege mais
nada. Atualmente, dinheiro e vulgaridade dominam tudo, fazendo a
política não se submeter ao princípio da verificação e, por isso, seu
significado prático não precisa ser demonstrado. Bastam variações do
velho modelo do presidencialismo de reeleição para capturar a energia
social em direção a cópias de cópias de ideias de escassa autoridade. A
relação entre a política e a sociedade não é mais essencial. Virou uma
dominação fundada na correlação que seleciona membros para a construção
de interesses e a formação de trincheiras de sócios em clubes
exclusivos.
No momento em que o Estado quiser encontrar na sociedade uma
coletividade essencial à sustentação do nosso país no mundo, ele deixará
de ser a farsa deste modelo como o toleramos. E nele a politica será
uma atividade simples, de pessoas que pretendem e possuem vocação para
representar os outros. Por que hoje, se as coisas não são simples, não é
por serem complicadas ou complexas, é por que andam falsas. E neste
quadro, cada “novidade desnecessária” exige alguém necessário. E por
causa disso no Brasil qualquer coisa só existe se for regulamentada. Nos
países viáveis, só se regulamenta o que dá errado. É esta má tradição
que confirma que nunca tivemos nenhum governo seguro de que a
Constituição é a lei que protege a sociedade contra a falta de limites
do governo.
Não deveriam ser efemeridades essas magníficas intuições econômicas e
politicas desses 21 anos de presidentes de esquerda que não conseguiram
ir além do condicionamento histórico de seus sonhos pessoais. Afinal, o
governante aqui descumpre a lei dizendo que é para salvar a democracia.
Mas o que sempre se viu é que tudo que é urgente para nossos democratas
serve para justificar algum arbítrio e seu método injusto. O modelo
político e econômico atual chegou ao fim. Se anda insepulto, é por ser
protegido da sociedade.
Paulo Delgado é sociólogo
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014





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