Fernando Gabeira O GLOBO
Rodando quase 1500 km no estado do Piauí, nem sempre com internet, vivi,
como grande parte do planeta, o assombro da queda do avião nos Alpes.
Um amigo mostrou um desenho circulando na internet: Lula batendo na
porta da cabine de um avião, gritando:
“Abra essa maldita porta!” É apenas um dos centenas de memes que circulam na rede.
Mas impreciso. Dilma não quer se suicidar, nem deseja nossa morte. Lula,
se entrasse na cabine, não teria mais condições de controlar o avião.
Os tempos mudaram, e, parcialmente, a crise brasileira é também produto
de sua política.
Numa pausa no Hotel Nobre (R$20 a diária com ventilador e R$40 com ar
condicionado) abri a janela para noite da cidade de Castelo do Piauí e
acho que compreendi melhor o rumo das coisas no Brasil.
Dilma perdeu a iniciativa na política. Quem impõe sua agenda é o PMDB.
Pragmático, confuso, controlando o Congresso, o PMDB dá as cartas. Não
sabemos aonde quer chegar. Percebemos apenas que marca Dilma para não
deixá-la andar.
Dilma perdeu a iniciativa na economia. Foi necessário chamar um técnico,
como somos obrigados a fazer quando máquinas e conexões desandam em
nossa casa. Joaquim Levy conduz a política econômica, dialoga com o
Congresso e, de vez em quando, inadvertidamente, critica a própria
Dilma. O programa de isenção para estimular as empresas foi chamado de
brincadeira que custou caro.
Numa palestra em inglês, Levy disse que Dilma nem sempre toma o caminho
mais fácil para realizar as coisas e, às vezes, não é eficaz. A primeira
etapa da frase parece-me até elogiosa: nem sempre escolhe o caminho
mais fácil. Esse traço está presente em muitas pessoas que venceram
adversidades, ou recusaram caminhos eticamente condenáveis.
Nem sempre somos eficazes como queríamos. Isto é válido para todos, de
uma certa forma. O problema é que Dilma é presidente, e Levy, seu
ministro.
Ministros não falam assim de seus presidentes, sobretudo quando se
encontram isolados, são recebidos com batidas de caçarola ou perdem,
vertiginosamente, a aprovação popular, ao cabo de uma eleição cheia de
falsas promessas.
Domingo que vem haverá novas manifestações. O tema será “Fora Dilma”.
Possivelmente, os manifestantes pedirão que leve o PT com ela.
Na minha análise, Dilma está saindo de forma lenta e gradual. Ao perder
terreno para o PMDB, deixa, discretamente a política, onde nunca entrou
com os dois pés.
Ao escolher Joaquim Levy e definir um necessário ajuste econômico, perde
terreno para o PSDB, que defendia uma correção de rumos.
Resta o campo social, área muito difícil de fazer avançar em tempos de
crise econômica. Seu único trunfo é o PT, que combate a nova política e
já está pronto a atribuí-la ao adversário, caso fracasse.
Dilma escolheu um novo secretario de comunicação. Ouço alguém dizer na
rádio que uma das qualidades de Edinho Silva é acordar cedo e ler todos
os jornais. A entrevista não esclarece se ele entende o que lê. Talvez
tenha um pouco de resistência a políticos tratados no diminutivo. No
entanto, nunca soube dos conhecimentos de Edinho na comunicação. Se as
tivesse, já teria sido chamado, pois a crise já dura meses.
Creio que todos esses fatores fazem com que Dilma vá deixando lentamente
a cena política, como a luz de um navio visto do cais, distanciando-se
num oceano escuro. O partido dela acha, no meu entender com razão, que
os mais vulneráveis devem sofrer menos, ganhar um tempo de adaptação à
crise.
Mas o PT não faz nenhum gesto para reduzir ministérios e demitir os
milhares de companheiros que se acomodaram na máquina do governo. Nem
tem a mínima ideia de por onde começar a cortar os gastos oficiais. O PT
apenas defende os pobres, mas se dedica radicalmente a ampliar a
própria riqueza.
Leio que numa recente reunião, no mesmo tom militar, o PT afirmou que
estava diante de uma campanha de cerco e aniquilamento. Simples assim:
estavam marchando pela floresta e, repente, os adversários armaram um
cerco de vários anéis. Jamais se perguntam como entraram nessa
enrascada. Lula se diz o brasileiro mais indignado com a corrupção que
ele mesmo comandou, ao montar o esquema político na Petrobras.
Já não são muitos os que levam Lula ao pé da letra. Alguns petistas
bem-intencionados falam que a saída é voltar às origens. No passado,
quando nos estrepávamos, sempre surgia alguém dizendo: “Precisamos
voltar às origens, reler Marx”.
É uma saída com tintas religiosas. Muitas novas seitas surgiram assim: é
preciso reler a Bíblia e dar a ela uma verdadeira interpretação.
Não há livro que salve quando não se examina nem se assume em
profundidade os erros cometidos. A história não se explica com
categorias religiosas, por mais respeitáveis que sejam os impulsos
místicos.
A chamada volta às origens criaria apenas o PT do reino de Deus, o PT dos últimos dias, o PT quadrangular.
EXTRAIDADOBLOGROTA2014





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