editorial de O Globo
Obstáculos criados pelo governo de Nicolás Maduro para a aquisição de papel ameaçam várias publicações independentes. SIP cobra ação de países e instituições
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol)
voltou a soar o alarme esta semana: vários jornais tradicionais da
Venezuela correm o risco de fechar, devido aos obstáculos que o governo
de Nicolás Maduro cria para a aquisição de papel, matéria-prima desses
veículos. A entidade, que reúne empresas de comunicação e monitora as
violações de liberdade de imprensa no continente, já havia aproveitado a
VII Cúpula das Américas, realizada no Panamá, para cobrar uma posição
de organismos multilaterais, como Unasul, OEA e Mercosul, e nações da
região, acusados de um constrangedor “silêncio cúmplice” ante o cerco à
imprensa independente no país bolivariano.
Líder regional, o Brasil se apequena na defesa das liberdades,
mantendo-se em silêncio, como um sócio fiel ao regime inaugurado por
Hugo Chávez, enquanto a Venezuela, em grave crise, formata uma ditadura
cruel. A omissão brasileira se estende às ações truculentas do Palácio
de Miraflores, como a violenta repressão nos protestos do ano passado,
que resultou em dezenas de mortes, e a prisão de líderes da oposição
legitimamente eleitos. Observando-se o papel ativo do Itamaraty no
episódio de suspensão do Paraguai do Mercosul, devido ao impeachment de
Fernando Lugo em 2012, não é exagero aplicar à política externa
brasileira o adágio: “um peso, duas medidas”.
No alerta, divulgado na última quinta-feira, a SIP menciona “El Correo
del Caroní”, “El Impulso”, “El Carabobeño”, “El Regional de Zulia” e “El
Nacional” — este último associado ao Grupo de Diários América (GDA) —,
entre os jornais ameaçados. De acordo com a entidade, representantes
desses títulos informaram que, sem acesso a papel, terão que encerrar a
circulação de suas publicações já nas próximas semanas.
O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, o
uruguaio Claudio Paolillo, foi preciso ao afirmar que, com o fechamento
dos veículos, “se esvaem as poucas esperanças de que os jornais
permanecem como bastiões da democracia” no país. Já a Mesa da Unidade
Democrática (MUD, uma coalização de partidos sociais-democratas e
marxistas que fazem oposição ao regime bolivariano) reforçou o alerta da
SIP, ao entregar na sexta-feira à OEA um documento denunciando a
deterioração da liberdade de imprensa, decorrente de “uma política de
Estado de perseguição à dissidência”.
O cerco à imprensa independente venezuelana remonta ao governo de
Chávez, que acusava os jornais críticos de seu regime de traidores e
golpistas — ecoando a desgastada retórica anti-imperialista tão
conspícua na fala de alguns líderes da região, como Rafael Correa, do
Equador; o nicaraguense Daniel Ortega; além do próprio Maduro. Não é à
toa, que, no ano passado, Pablo López Hurtado, diretor do semanário “La
Razón”, afirmou ao GLOBO que “fazer jornalismo independente na Venezuela
é um milagre”.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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