José Casado O GLOBO
Metade da diretoria da Petrobras sob comando de José Gabrielli é alvo de investigações por corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil, nos EUA, na Holanda e na Suíça
Ele se surpreendeu ao voltar de uma viagem a Portugal, dias atrás.
Primeiro, com ocasionais zombarias dentro do avião, audíveis o
suficiente para incomodá-lo durante toda a travessia do Atlântico. Na
chegada, sob um coro de vaias a bordo, o baiano José Sérgio Gabrielli de
Azevedo, 65 anos, achou melhor desembarcar e procurar outro voo rumo a
Salvador.
Um dos personagens mais influentes da era Lula, Gabrielli trocou o
circuito acadêmico dos economistas em 2003 pela cadeira de diretor
financeiro da Petrobras. Embarcado na presidência em 2005, ali ficou por
sete anos. Tornou-se o mais longevo entre os 34 que comandaram a
estatal nas últimas seis décadas.
Saiu há dois anos e nove meses, com a fantasia da candidatura ao governo
da Bahia pelo PT. O sonho se perdeu na poeira da confusão crescente nas
últimas 132 semanas sobre a sua gestão na Petrobras: num breve passeio
pela sede da empresa, na Avenida Chile, no Centro do Rio, percebe-se
como a maior estatal brasileira virou um conglomerado de advocacia e
contabilidade, que também produz petróleo e derivados.
Metade da diretoria comandada por Gabrielli, até fevereiro de 2012, é
alvo de investigações por corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil, nos
EUA, na Holanda e na Suíça. Dos seis ex-diretores, dois estão presos.
Balanços estão em revisão, e auditores ainda relutam em subscrever a
contabilidade de novos ativos, entre eles os da refinaria Abreu e Lima
(US$ 20 bilhões), do Comperj (US$ 15 bilhões), de plataformas e sondas
(US$ 17 bilhões). Os gastos nessas três áreas equivalem à soma do
Produto Interno Bruto do Uruguai, do Paraguai e da Bolívia.
Gabrielli, claro, não pode ser culpado pelo roubo alheio. Mas sua
administração, caracterizada pela aversão à crítica pública e pela
intolerância à fiscalização externa, produziu coisas como um gerente que
confessa ter amealhado US$ 90 milhões em propinas.
Ele legitimou o regime de partilha dos negócios da estatal entre o
condomínio partidário de apoio ao governo Lula. Exacerbou na emulação de
projetos reconhecidamente deficientes, todos com orçamentos sigilosos.
O Tribunal de Contas, por exemplo, atravessou anos cobrando a
apresentação dos estudos de viabilidade das refinarias Abreu e Lima
(PE), Premium 1 (MA) e Premium 2 (CE) e do Comperj (RJ). Gabrielli
jamais entregou. Fazia do segredo uma rotina administrativa.
Em 2009 o TCU insistiu no envio, por meio eletrônico, das estimativas de
custos da Petrobras para construção de duas plataformas. Gabrielli
respondeu ao tribunal com uma irônica montanha de papel — planilhas
Excel impressas. Sem a memória de cálculo, exclusiva do formato
eletrônico, a auditoria era inviável. “A conduta é culpável”, concluiu a
corte.
Na época, o Congresso acenou com uma CPI. Gabrielli respondeu com a
apresentação de um blog, em torno do qual perfilou uma tropa de 1,1 mil
empregados e contratados, para “defesa” da Petrobras. Um dos diretores
presos, Paulo Roberto Costa, contou à Justiça sobre “providências” para
subornar opositores e impedir a CPI, extinta cinco meses depois.
Se a história for comprovada, tem-se um risco de prisão para toda a cadeia de comando.
Alguns segredos da Petrobras sob Gabrielli começaram a ser desvendados.
As vaias no avião sugerem a torcida para que seja tudo revelado.
FONTE ROTA2014
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