Dora Kramer O Estado de São Paulo
Nem a rejeição do Congresso à reforma política por meio de plebiscito
nem a derrubada do projeto presidencial dos conselhos populares na
Câmara servem como medida precisa de como serão as relações entre o
Parlamento e o Palácio do Planalto no segundo mandato da presidente
Dilma Rousseff.
Pelo simples e conhecido fato de que as duas propostas já entraram em
campo derrotadas. Por isso mesmo do ponto de vista do governo a surpresa
foi a insistência da presidente, ou dos autores de seu discurso da
vitória, de reapresentarem uma sugestão que no ano passado havia sido
amplamente rejeitada. Tanto que sobre ela não se deu uma só palavra
durante a campanha.
Uma hipótese: Na falta de algo melhor para dizer, fizeram-na falar algo
de apelo popular já sabendo qual seria a reação dos políticos e que
haveria espaço para recuar; como de fato aconteceu. Com sua bancada
reduzida em 18 deputados em 2015, de 88 para 70, e sem o apoio da
tradicional base aliada, o PT não vai à esquina com esse plebiscito.
Inclusive porque o partido vai da premissa para chegar à conclusão
errada. Isso considerando o princípio da boa fé, bem entendido.
O acerto da premissa: a reforma não anda sem a sociedade. O equívoco da
conclusão: os temas envolvidos são complexos e não podem ser submetidos
ao escrutínio simplista das respostas do "sim" e do "não". Muito menos
essa é uma discussão que possa ser desenvolvida sob as diretrizes dos
termos bobos, enganadores e infantilizados já vistos.
A aprovação na Câmara do projeto que suspende o decreto presidencial que
regulamenta os conselhos populares era uma das favas mais contadas da
República. Todos os partidos, à exceção do PT, PSOL e PC do B, já haviam
se manifestado contra. Restava apenas levar o assunto à votação para
sacramentar o resultado. Pois foi o que fez o presidente da Câmara,
Henrique Eduardo Alves, voltando de ser derrotado na disputa pelo
governo do Rio Grande do Norte com a ajuda do PT e o patrocínio do
ex-presidente Lula ao candidato do PSD, Robinson Faria.
Não precisou fazer nada além de exercer a prerrogativa do cargo. O PMDB
comandou o espetáculo, a oposição teve assim o reforço que precisava.
Mas, convenhamos, a situação era por si favorável. Um caso específico
que não serve como esboço do cenário das relações entre o Planalto e o
Parlamento na virada do próximo mandato.
Soa precipitado tanto dizer que o grau de dificuldade será maior quanto
prever que será o mesmo ou menor. Sem dúvida alguma será muito maior se a
presidente achar que ganhou eleição porque fez as coisas "do jeito
dela". E mais: não podendo disputar eleições, está livre de
compromissos. Aí terá a companhia indesejável do diabo porque viverá um
inferno.
Ocorre que exatamente por ela não representar mais expectativa de poder
futuro, o PT em geral e o ex-presidente Lula em particular dificilmente
deixarão que a autonomia ponha em risco do projeto do coletivo. O mais
provável, portanto, é que se façam ajustes para melhorar a interlocução,
dificultar a vida da oposição e não deixar a peteca cair.
Risca de giz. Se a decisão de não extraditar Henrique Pizzolato foi
tomada em retaliação à negativa de atender ao pedido da Itália para que
Cesare Battisti cumprisse a pena a que foi condenado em seu país, é um
exercício de suposição.
O fato inescapável é que o pedido do governo brasileiro foi negado por
determinação da Justiça italiana e a extradição de Battisti decidida por
ato unilateral do presidente da República que contrariou sentença do
Supremo Tribunal Federal.
Não é ilegal, mas é um dado a ser levado em conta no cotejo das relações institucionais nas nações democráticas.
fonte rota2014
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