O Brasil em 2014 precisa somar, não dividir. Por isso é tão importante votar em Aécio Neves no domingo
FERNANDO GABEIRA
O ESTADO DE S.PAULO -
A
campanha chega ao fim com o grande debate de hoje. Alguns temas ficaram
de fora. Do Rio Piracicaba à nascente do São Francisco, na Serra da
Canastra, encontrei vestígios da grande seca, talvez a maior dos últimos
50 anos no Sudeste. Ignoro o que os candidatos pretendem fazer a
respeito. Não falam em recuperação de rios, fortalecimento dos comitês
de bacia, nada que lembre uma política de recursos hídricos. Apenas se
culpam.
Não sei se todos têm a sensação de que há uma distância
entre o País dos debates e o da vida real. Creio que a distância às
vezes é ampliada pelo próprio debate, que deveria encurtá-la.
Jean
Piaget escreveu muito sobre inteligência infantil. Ele descrevia um
tipo de linguagem que prevalece numa faixa de idade: a linguagem
egocêntrica. Nela não importa necessariamente fazer sentido, muito menos
comunicar-se com o outro.
Apesar dos debates sem mediação, foi
impossível estabelecer um fio da meada. Dilma comportou-se como se fosse
uma candidata da oposição em Minas Gerais. Após o debate no SBT sua
memória falhou em alguns momentos. Depois de tropeçar na palavra
inequívoca, ela capitulou em mobilidade urbana, pediu um pouco de água,
sentou-se para descansar. O que se passa no cérebro de Dilma, como se
articulam nela uma camada do córtex com uma região do hipocampo, criando
ou embotando a memória, é uma análise que farei depois de pesquisar o
tema.
Dilma está se transformando numa equilibrista que entra em
cena mesmo sem ter completado o período de formação. No caso da
Petrobrás, a opção do governo era negar as denúncias: são apenas
vazamentos clandestinos. No campo do feminismo, Dilma projetou imagem
dura ao ironizar o choro de Marina Silva, bombardeada pelas mentiras do
PT: o cargo de presidente não é para coitadinhas, afirmou.
Quando
soube que um ex-dirigente do PSDB, Sérgio Guerra, também foi acusado de
receber propinas no escândalo da Petrobrás, Dilma passou a acreditar
nas denúncias. E afirmou: houve desvios. O fluxo de denúncias não
acabara. Depois de Sérgio Guerra, aparecia em cena o nome de Gleisi
Hoffman, ex-chefe da Casa Civil no governo Dilma. Nesse caso, a
presidente voltou a duvidar e pedir precauções. Ficou evidente que as
denúncias valem quando envolvem o adversário, mas são levianas e
perigosas quando envolvem o governo.
Depois do piripaco de Dilma,
Lula e outros insinuaram que Aécio agride mulheres e isso pode ter
influenciado a performance dela. Marina tinha de apanhar sem choro, pois
a "Presidência não é para coitadinhos".
O escândalo da
Petrobrás, embora possa ter envolvido gente da oposição, é de principal
responsabilidade do governo. A empresa está sendo investigada nos EUA.
Lá, por exemplo, a lei é clara e responsabiliza também os dirigentes da
empresa, mesmo que não tenham tocado no dinheiro.
O choro da
Marina massacrada é fraqueza; a crise de Dilma, uma consequência do
machismo. Eles reinventam o mundo à sua maneira. Passada a eleição, em
vez de ficar remexendo a essência macunaímica do PT, talvez fosse
necessária uma avaliação mais profunda de como uma experiência histórica
termina na porta da delegacia.
Análises sobre a trajetória da
esquerda no século passado ocuparam grandes historiadores. Tony Judt
dedicou parte de seu trabalho aos intelectuais franceses e seus
equívocos. No caso europeu, as hesitações diante do stalinismo conduzem
um dos fios da meada. Aqui, no Brasil, não creio que o stalinismo tenha o
mesmo peso. O fio da meada é a relação com a ditadura cubana, a
admiração por um regime falido e o silêncio inquietante sobre seus
crimes.
A trajetória da esquerda brasileira no governo mudou.
Goulart foi derrubado pelos militares que alegavam combater a subversão e
a corrupção. A corrupção era algo mais simbólico no seu discurso.
Envoltos na guerra fria, os militares queriam, principalmente, derrotar o
comunismo. Essa passagem de uma resistência à ditadura militar, o
trânsito das páginas políticas para as policiais, essa mudança de ala
nas penitenciárias é uma guinada na história da esquerda.
Tanto
se falou em Goebbels, o homem da comunicação de Hitler, que a tática de
repetir a mentira passou a ser até elogiada por alguns. O encontro da
tática do PT com Goebbels não é acidental. Assim como o encontro das
Farc com o tráfico de drogas também não o foi.
Quando desaparecem
os objetivos estratégicos, quando o único alento é ganhar o poder,
desaparece também a fronteira entre política e crime. Não te prendem
mais em quartéis, mas na delegacia da esquina; já não se ergue o punho
cerrado pelo futuro da humanidade, mas para garantir o banho de sol; não
se comemoram grandes viradas históricas, mas o ingresso no regime de
prisão albergue.
A transformação de uma força política num
compacto muro de cinismo, o trânsito de ideias, aparentemente, generosas
para a delinquência intelectual - tudo isso configura uma fascinante
matéria de estudo.
Não sei se teria a isenção para cumprir a
tarefa: ela mexe comigo, com a história pessoal, com as ilusões que me
moveram no século passado. Mas alguém escreverá a história do nosso
passado imperfeito, como Tony Judt fez com a intelectualidade francesa
do pós-guerra.
No continente já estamos no socialismo do século
21. Em Caracas não se racionam mais os produtos básicos com cadernetas,
mas com as impressões digitais. De Cuba para a Venezuela houve um salto
tecnológico no interior do mesmo atraso.
Mas a sedução do modelo
ainda não foi abalada na esquerda brasileira. O verdadeiro século 21, de
certa forma, não chegou. Quem sabe, domingo?
Um exame profundo
dessa longa trajetória histórica pode começar, se o PT perder. Se
vencer, será preciso concentrar a energia na vigilância cotidiana e
preservar alguma esperança no Brasil.
Vitoriosos depois do assalto à Petrobrás, os petistas logo estariam sonhando com o assalto aos céus.
fonte avarandablgspot
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