Sandro Vaia
Com Blog do Noblat - O Globo
Prometa uma coisa e faça o contrário.
Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia.
Bom esse Shakespeare. Sabia das coisas. Não votava nem no PT nem no PSDB mas era antenado na tal da alma humana.
Durante a campanha eleitoral, o PT, pai e protetor dos pobres, mostrou,
sem nenhuma clemência, que Marina Silva, a seringueira fajuta, na
verdade era instrumento dos banqueiros para instalar-se no poder e sugar
os pobres. A Sra. Neca Setúbal, com esse sobrenome, era a prova viva da
conspiração banqueiro-seringueira.
Os anúncios de João Bendengó Santana mostravam uma mesa onde crianças
comiam a sua ração diária, que ia sendo apagada e reduzida à medida em
que os banqueiros avançavam sobre a taxa de juros. Cada meio ponto a
mais na taxa de juros, as proteínas e os carboidratos iam sendo apagados
dos pratos das crianças pobres.
Um anúncio sórdido como esse chegou a ser classificado como muito
talentoso por profissionais da publicidade. E por profissionais da
militância.
Tudo isso para que 72 horas depois da apertadíssima reeleição de Dilma
Rousseff, o Banco Central anunciasse uma elevação de 0,25% na taxa
básica de juros. Por que os bancos centrais aumentam a taxa de juros?
Para controlar a inflação. Mas a inflação, não repetiu exaustivamente a
soberana nos debates eleitorais, já não estava sob controle?
Os mistérios não terminam aí. Dois dias depois da eleição, o decreto
bolivariano dos “conselhos populares” foi derrubado pela Câmara, uma
derrota esmagadora para o governo. Onde está a grande base aliada? Está
onde sempre esteve: quanto menor a margem de manobra do governo, quanto
mais desconfortável a sua zona de conforto, mais disposta a faturar pelo
seu apoio.
A escolha do ministro da Fazenda que substituirá o zumbi Guido Mantega, é
outro mistério. O primeiro nome que circulou foi o do presidente do
Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. Quer dizer: quem votou em Dilma para
evitar que Marina ou Aécio entregassem o país para os banqueiros só
trocaria a bandeira do banco: do Itaú de dona Neca para o Bradesco de
Trabuco.
Seria uma maneira de tranquilizar o mercado. Embora Lula, em uma de suas
inúmeras bravatas, tenha dito que ele (e o PT, por supuesto) nunca
governaram para o mercado, até os paralelepípedos da rua sabem que a
famosa Carta ao Povo Brasileiro de 2001, que Antônio Palocci submeteu à
aprovação de Joao Roberto Marinho (“o povo não é bobo/abaixo a rede
Globo”), era mais do que um aceno ao mercado. Era um juramento de que o
programa do PT seria arquivado e que a política econômica (neoliberal?)
de FHC seria seguida religiosamente.
Foi nessa eleição e com esse documento que o PT iniciou a sua trajetória
pragmática no mundo do poder. Um figurino que lhe caiu tão bem que ele
não pretende largá-lo mais. E aprendeu um truque que continua
funcionando bem até hoje: prometa uma coisa e faça o contrário.
O próximo passo é o inevitável ajuste fiscal. Que feito pelos
adversários, se eles tivessem sido eleitos, seria chamado de arrocho e
apedrejado e cuspido durante as 24 horas do dia.
FONTE ROTA2014
0 comments:
Postar um comentário