editorial do Estadão
Muito mais do que uma desforra pessoal do presidente da Câmara dos
Deputados, Henrique Alves, do PMDB do Rio Grande do Norte - que atribuiu
a Lula a sua derrota na disputa pelo governo do Estado para o seu
adversário do PSD, Robinson Faria -, a derrubada do decreto da
presidente Dilma Rousseff instituindo a participação de conselhos
populares na elaboração de políticas públicas federais foi um sinal dos
tempos. Trata-se do primeiro bote do principal partido da base aliada do
Planalto para se impor ao PT no segundo mandato da governante petista.
Em parceria com a oposição e três bancadas tidas como leais ao Executivo
- PDT, PR e PSD -, a sigla do vice-presidente Michel Temer não esperou a
posse formal de ambos em 1.º de janeiro para participar a seu modo do
"diálogo" que a candidata reeleita apregoou na sua primeira fala depois
da apuração.
É bem verdade que Dilma tinha tudo para perder essa batalha. Tão logo
tomou, em maio último, a malfadada iniciativa de abrir espaço na mesa de
decisões administrativas - até das agências reguladoras federais - ao
que chamou de "grupos sociais historicamente excluídos", ficou
escancarado o DNA chavista da medida, porque, ao silenciar, de caso
pensado, sobre os critérios que guiariam a formação do denominado
Sistema Nacional de Participação (SNP), a presidente só faltou proclamar
a sua serventia como modalidade adicional de aparelhamento do Estado e,
também à maneira bolivariana, amputação de prerrogativas do
Legislativo. De nada adiantou o desdém de Dilma pela inteligência alheia
ao negar que os órgãos públicos não ficariam obrigados a se aconselhar
com presumíveis representantes da sociedade, mas "deverão considerar"
esse procedimento.
Antes que a campanha eleitoral esvaziasse o Parlamento, o PT recorreu a
manobras de todo tipo para barrar a votação do decreto. Agora não deu - e
a excrescência foi rejeitada por aclamação pela Câmara. (Falta ainda o
voto do Senado.) Fica assim a presidente notificada de que,
diferentemente do que ocorreu no quadriênio em vias de se encerrar,
quando PT e PMDB tendiam mais a se entender do que a divergir em
matérias de interesse do Planalto, a atitude da legenda do vice e dos
titulares das duas Casas do Congresso será basicamente de confronto com o
partido do poder, reproduzindo na esfera parlamentar o combate entre
petistas e antipetistas que marcou a sucessão. Já não se trata de
reencenação da disputa por espaço na Esplanada dos Ministérios e nas
estatais. O que o PMDB quer é assumir o comando da política nacional,
abrindo-se a uma aliança tácita com a oposição. Diga-se o que se queira
da tigrada, menos desprezar o seu faro para a debilidade alheia.
E nunca o PT esteve tão fraco desde a primeira presidência Lula. Na
votação de 5 de outubro para a Câmara, o partido perdeu 1,3 milhão de
votos e 18 cadeiras. Com as 70 que vai ocupar na próxima legislatura
ainda terá a maior bancada, mas a diferença de 2010 para agora entre o
número de assentos petistas e os do PMDB encolheu de 17 para 4 somente.
Além disso, considerando os sufrágios colhidos, o PSDB de Aécio Neves
tornou-se proporcionalmente a segunda força da Casa. Em números
absolutos, a sigla foi uma das mais bem-sucedidas entre as 28 dotadas de
representação parlamentar a partir de 2015: os tucanos serão 54, com um
ganho de 10 lugares. Além de a nova composição da Câmara favorecer o
PMDB em detrimento do PT - como possivelmente se verá na disputa entre
eles pela presidência do colegiado, em fevereiro -, o partido de Dilma
perdeu o controle da rua para atiçá-la contra quem quer que seja.
Há de ter sido por isso que a presidente, em sintonia com os
companheiros, teve a ideia de exumar a proposta de convocação de um
plebiscito para a reforma política, o que o PMDB já havia posto a pique
no ano passado. Isso daria ao PT a chance de brigar pela retomada do
espaço perdido na arena pública - e, a partir daí, voltar a pressionar o
Congresso. Para os peemedebistas foi um presente inesperado: mais uma
vez rebatendo de imediato a manobra, a cúpula partidária desafiou Dilma
abertamente - e ela piscou primeiro, ao admitir que a reforma poderia
ser submetida a consulta depois de aprovada pelo Congresso.
fonte rota2014
0 comments:
Postar um comentário