A liberdade de expressão no Brasil está com os dias contados. A caçada humana dos ativistas gays contra o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) não coloca em risco apenas a liberdade religiosa (o que já seria grave) — ela pode amordaçar a liberdade de expressão no País, inclusive a liberdade da própria imprensa, que, com raras exceções, também hostiliza o pastor da Assembleia de Deus desde que ele foi eleito, em 7 de março, para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). O deputado Marco Feliciano está sendo perseguido implacavelmente sob a acusação de ser homofóbico, machista e racista e que, por isso, não poderia presidir a referida comissão. Por esse critério (e com muito mais razão), o deputado José Genoíno (PT-SP) — condenado pelo Supremo — não poderia integrar a Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da Câmara; nem Tiririca (PR-SP), suspeito de analfabetismo, poderia presidir sessões da Comissão de Educação.
A guerra deflagrada contra o deputado Marco Feliciano não se justifica por seus defeitos, que são muitos, mas pela intolerância de seus detratores, inegavelmente fascistas. Para eles, os direitos humanos não derivam da humanidade inerente a cada pessoa, mas da ideologia dos grupos a que pertencem. Dessa forma, se o indivíduo não se enquadra em uma das minorias santificadas pela universidade, como os negros, os gays e os drogados, ele se vê destituído de sua condição humana e pode até ser acusado dos crimes de que é vítima. É o que tem acontecido com Marco Feliciano, acusado de agir ditatorialmente na presidência da comissão, quando ocorre justamente o contrário — ele é que é vítima da truculência de seus adversários, que não o deixam nem mesmo falar, cassando à força, por meio do grito e da baderna, a vontade das 211.855 pessoas que o elegeram. Para se ter uma ideia do que isso representa, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), militante do movimento gay, foi eleito com 13.018 votos.
A mobilização contra o pastor Marco Feliciano não é espontânea, como finge ser. Se a imprensa cumprisse o seu papel e destrinchasse o DNA dos grupelhos que o perseguem, veria que todos eles são mantidos por ONGs, partidos de esquerda, universidades e órgãos públicos. Entre esses grupos, prevalece o que chamo de “militância cruzada” — os mesmos indivíduos se entrecruzam na Marcha das Vadias, na Pedalada Pelada, na Marcha da Maconha, na Luta Antimanicomial, nas Paradas Gays, no Mamaço das Mães e nos diversos “coletivos” de esquerda que infernizam a vida urbana. Como conseguem ter tanta disponibilidade para promover manifestações em horário comercial? Simples: praticamente 100% dos profissionais de passeata desfrutam de alguma forma de financiamento público, direto ou indireto, por meio de bolsas universitárias, subsídios de fundações estrangeiras (como a Fundação Ford), ou de ONGs, sindicatos, conselhos profissionais e partidos políticos. O movimento gay, por exemplo, só existe porque sempre foi cevado, desde o berço, com fartas verbas governamentais, especialmente do Ministério da Saúde.
Cruzada da intolerância
Os grupelhos de militantes que perseguem o deputado Marco Feliciano se dizem representantes dos homossexuais, das mulheres e dos negros e mobilizam as redes sociais contra o pastor, organizando protestos em diversas cidades. Também contam com o apoio frequente de outros profissionais de passeata, como os ideólogos-sobre-duas-rodas (os cicloativistas) e as autointituladas “vadias”. Para esses grupelhos, a Comissão de Direitos Humanos é privativa do PT, tanto que fizeram questão de acrescentar ao seu nome o penduricalho “minorias” — outra categoria social politicamente monopolizada pela esquerda. A maioria dos veículos de comunicação também se engajou na luta para destituir o deputado, não apenas dando ampla cobertura aos protestos, como também levantando declarações passadas de Marco Feliciano que possam lhe causar constrangimento. A imprensa usa de dois pesos e duas medidas, pois o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nos oito anos em que fez do Palácio do Planalto um palanque diário, era uma usina de baboseiras por minuto, produzindo muitíssimas tiradas machistas, racistas e "homofóbicas" em sua carreira de falastrão.
A cruzada da intolerância, promovida por esses grupos, está surtindo efeito. Na tarde de quarta-feira, 20, durante audiência pública conjunta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias e da Comissão de Seguridade Social e Família, os manifestantes mostraram seu poder de força. Mediante proposta do deputado Henrique Afonso (PV-AC), aprovada pela maioria de membros da comissão, seria discutida a questão do atendimento aos portadores de transtornos mentais, com a presença de dois palestrantes convidados: o psicólogo Aldo Zaiden, mestre em Estudos Comparados pela UnB e assessor da Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Drogas da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, e o psiquiatra Juberty Antônio de Souza, doutor em Ciências da Saúde pela UnB e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, que estava representando a Associação Brasileira de Psiquiatria. Mas a audiência acabou sendo suspensa, depois de 40 minutos de bate-boca entre os deputados, ao som de uma ruidosa manifestação de protesto contra Marco Feliciano.
A audiência pública foi aberta às 14h31 pelo deputado Marco Feliciano, que, além das vaias dos manifestantes, que tentavam cassar sua palavra, também teve de enfrentar a hostilidade dos parlamentares do PT que integram a comissão. Menos de quatro minutos depois de iniciados os trabalhos, o presidente da Comissão de Direitos Humanos passou o comando da audiência pública para o deputado Henrique Afonso, que a havia proposto, e deixou o recinto, sob o protesto dos deputados de esquerda, que tinham apresentado questões de ordem justamente para confrontá-lo. O deputado Nilmário Miranda (PT-MG), uma espécie de decano da Comissão de Direitos Humanos, disse não reconhecer a legitimidade da comissão sob a presidência de Marco Feliciano e decidiu se retirar da audiência. Antes, para gáudio dos manifestantes, defendeu a Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos Humanos, lançada na semana passada, com o objetivo de promover ações paralelas ao trabalho oficial da comissão e, com isso, deslegitimar o mandato do pastor Marco Feliciano no comando da mesma.
Polêmica com feministas
O deputado Domingos Dutra (PT-MA), também presente na tumultuada audiência pública, foi ainda mais duro. Ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos, ele contestou as declarações do deputado Marco Feliciano às “Páginas Amarelas” da revista “Veja”, em que o pastor o acusou de ter descumprido um acordo partidário. Feliciano disse à revista: “Veja o que aconteceu com o Domingos Dutra. Eu conversei com ele um dia antes da votação que me elegeu. Tudo na paz. Ele disse: ‘Fica tranquilo’. Era um acordo partidário. E acordo partidário não se quebra nesta Casa. Estava tudo certo. No dia seguinte, ele chegou à Câmara e deu um espetáculo. Renunciou à presidência da comissão e ameaçou chorar, disse que o que ele estava vendo lá era totalitarismo, uma ditadura. Foi uma encenação piegas, um teatro grotesco”. Na audiência pública, Domingos Dutra retrucou: “Eu nunca conversei com ele, nem antes nem depois. A minha retirada é porque eu não aceitava participar de uma reunião da comissão de portas fechadas, com a Polícia Legislativa. O deputado Marco Feliciano, além de homofóbico, é racista, é mentiroso”. Dutra também se retirou da audiência.
Outra a se retirar da audiência para esvaziar a comissão foi a deputada Erica Kokay (PT-DF). Antes de abandonar os trabalhos, ela manteve o núcleo duro do linchamento moral do pastor Marco Feliciano — “homofóbico e racista” — e acrescentou que ele também é “machista”. Mas, em termos de inversão de valores, seu discurso foi superado pelo pronunciamento de sua colega Janete Pietá (PT-SP), professora e arquiteta da cidade de Guarulhos e coordenadora da bancada feminina na Câmara dos Deputados. Janete Pietá acusou Marco Feliciano de ter sido “eleito de forma clandestina” para a presidência da comissão e se indignou com uma entrevista concedida por ele em junho do ano passado e exumada agora pelo jornal “O Globo”. A entrevista — publicada num livro sobre os evangélicos na política e sua relação com as reivindicações de mulheres e homossexuais — rendeu manchete ao jornal na quarta-feira, 20: “Marcos Feliciano diz que direitos das mulheres atingem as famílias”. No destaque, o jornal pôs mais pimenta: “Em entrevista para livro, o deputado pastor diz que reivindicações feministas estimulam o homossexualismo”.
A deputada Janete Pietá, depois de tecer outras críticas a Marco Feliciano e ressalvar que não é contra os evangélicos, deixou claro que estava usando a palavra como coordenadora da bancada feminina na Câmara dos Deputados para repudiar “as declarações, sempre infelizes, do que preside essa comissão” (pastor Marco Feliciano) e que foi “eleito de forma clandestina”. Apesar dos 65 anos de idade, Janete Pietá falou com a indignação adolescente de uma estudante de grêmio livre: “A afirmação dele no Globo de hoje a respeito das mulheres é uma afirmação anticonstitucional, porque o artigo 5º da nossa Constituição diz que homens e mulheres têm direitos iguais. E esse deputado diz que, quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem...” Ela não completou o raciocínio, de tão enraivecida, mas continuou: “E cadê a Constituição? Isto é anticonstitucional. Então, demonstra que tem que haver uma rediscussão dessa comissão. O foco aqui fala tudo, é o artigo 5º. Eu vou dar entrada nessa Casa contra o deputado. Essa Casa não pode assistir alguém que é contra a Lei Maior do Brasil que fundamenta os direitos iguais”.
A “dialética dos sexos”
Apesar da fala excessivamente truncada da deputada Janete Pietá, em que pese ela escandir as palavras de modo lento, arrastado, até arrogante, percebe-se que sua compreensão do estado de direito é bastante precária. Se havia alguém “anticonstitucional” na audiência pública, esse alguém era justamente ela. A deputada petista acredita que o pastor Marco Feliciano tem de ser proibido de criticar a emancipação das mulheres porque, se o fizer, estará sendo “anticonstitucional”, isto é, estará ferindo a Constituição. É com base nessa premissa torta que a deputada diz que não se pode “assistir alguém que é contra a Lei Maior do Brasil”. Ou seja, na concepção da deputada paulista, se uma pessoa discorda de aspectos da Constituição, ela está proibida de manifestar essa discordância em voz alta, sob pena de ser considerada “anticonstitucional” e, quem sabe, até ser presa ou, no mínimo, proibida de exercer determinadas funções na sociedade. Logo, estaremos queimando em praça pública a obra de Schopenhauer, sob a acusação de que ele fere a Constituição por ser machista.
Ora, o mesmo artigo 5º da Constituição de 88 que diz que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” também diz que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença” e que “é livre a manifestação do pensamento”. Logo, tanto um machista empedernido é livre para afirmar publicamente que o lugar da mulher é na cozinha, quanto uma feminista radical pode defender a greve do sexo, afirmando — em franca discordância com a Constituição — que a família é uma arma capitalista para subjugar as mulheres e que é preciso apagar a distinção entre os sexos, garantindo às mulheres o controle exclusivo da reprodução — o que, na prática, significaria a escravidão dos homens, submetidos a comunidades de amazonas. Era o que defendia, por exemplo, a feminista canadense Shulamith Firestone, de origem judaica, autora de “A Dialética do Sexo”, um livro que muito me espantou e me entusiasmou no alvorecer da juventude, quando ainda acreditava em revolução, sobretudo se guiada por uma bela e inteligente jovem de 26 anos, de longos cabelos e óculos de intelectual, como Shulamith se revelava na contracapa do livro, publicado originalmente em 1970.
Quando li “A Dialética dos Sexos”, pareceu-me que a autora tinha razão em acreditar que a verdadeira emancipação das mulheres só seria possível mediante uma revolução biológica, propiciada pela ciência, que libertasse a mulher da maternidade. Sem isso, sempre haveria uma dependência implícita da mulher em relação ao homem. Tratava-se de uma utopia radical e, talvez, a autora tenha percebido, na própria carne, a impossibilidade de existir um mundo com felicidade e igualdade para todos. Sua própria vida mostrou isso. Shulamith Firestone foi encontrada morta em 28 de agosto do ano passado. Tinha 67 anos e vivia reclusa num apartamento em Nova York. O mau cheiro alertou os vizinhos, e a polícia encontrou seu corpo, cerca de uma semana depois, num apartamento com muitos livros, inclusive clássicos gregos, cujo aluguel era pago por familiares. Sofrendo de esquizofrenia, ela passou boa parte da vida em hospitais psiquiátricos, calvário que se prenunciou logo após o lançamento de seu livro, quando abandonou o ativismo feminista e iniciou uma carreira de pintora. Uma das raras pessoas de sua convivência nos últimos anos, uma lésbica assumida, disse a um jornal nova-iorquino que Shulamith Firestone nunca falava de sua orientação sexual e nunca tinha se prendido a ninguém.
O preconceito invertido
A triste história de Shulamith Firestone não prova que o feminismo faz mal para as mulheres, como um Marco Feliciano se apressaria em acreditar. Mas prova, sem dúvida, que a felicidade individual — e, por consequência, os direitos humanos — não se resolve segundo a equação fácil dos profissionais de passeata, que acreditam na instituição do bem-estar geral e da igualdade por decreto mediante a imposição de leis que garantem às minorias exóticas todos os direitos e obriga a maioria silenciada a arcar com todos os deveres. As feministas, gays e negros de passeata querem o monopólio da Comissão de Direitos Humanos para que possam continuar tentando aprovar o Projeto de Lei Complementar 122 (PLC-122), que legaliza o conceito de "homofobia" e, concomitantemente, transforma a "homofobia" em crime. Por diversas vezes, o movimento gay tentou aprovar esse projeto apenas nas comissões do Congresso, sem passar pelo plenário — o que é absurdo, dadas as graves implicações que ele terá na vida das igrejas, empresas, hospitais, escolas e até nos lares, quando uma família tiver que contratar uma empregada, por exemplo.
Felizmente, parte da bancada evangélica — solitária e heroicamente — vem conseguindo barrar esse atentado à liberdade de todos os demais cidadãos. Resta saber até quando, pois o cerco das minorias organizadas às instituições vem se tornando cada vez mais feroz e eficiente. Antes mesmo de existir uma lei que tipifique o crime de “homofobia”, evangélicos e católicos já estão sendo perseguidos pelo Estado em face de qualquer crítica pública ao movimento gay. E o que é mais grave: o conceito de "homofobia", tal como vem sendo disseminado, é altamente subjetivo. Não tem a menor sustentação científica — nem sociológica, nem psicológica, nem médica — e jamais deveria ser transformado em tipo penal, pois se isso ocorrer qualquer pessoa que não seja gay poderá ser condenado por "homofobia", seja por ação, seja por omissão. Se um gay se candidatar a uma vaga numa empresa e for preterido na seleção, não será difícil para ele provar que foi vítima de preconceito. Os caminhos para isso estão dados: até alunos que transcreveram uma receita de miojo e o hino do Palmeiras na prova de redação do Enem obtiveram boas notas pelos textos bárbaros e desonestos. E a absurda justificativa do MEC para não zerar a redação e não desclassificar os alunos por fraude (que seria o correto) é que eles teriam respeitado os direitos humanos nos trechinhos menos burlescos das redações, como se o ato fraudulento já não fosse, em si, um atentado ao que se entende por direito, justiça e moralidade.
Ora, se até o vestibular oficial do País — que seleciona os futuros professores, engenheiros, médicos, operadores do direito e outros profissionais de nível superior — já não dá a menor importância para a formação cognitiva e moral do aluno, subjugando todo o conhecimento acumulado pela humanidade à ditadura irracional do discurso politicamente correto, como é que o dono de uma panificadora, ao selecionar candidatos a uma vaga de padeiro — sob a égide da futura Lei de Combate à "Homofobia" — conseguirá provar que contratou João, o candidato heterossexual, porque ele sabe fazer um pão melhor que do que José, o candidato homossexual? Ou, caso contrate os dois, e tenha que demitir o incompetente José, como conseguirá explicar que o está demitindo por ser incapaz e não por ser gay? Esse é apenas um dos muitos problemas graves que a Lei da "Homofobia" vai suscitar, caso seja aprovado. Parafraseando o escritor Mário de Andrade, "homofobia" é o que o gay de passeata chama de "homofobia". Prova disso é que o próprio pastor Marco Feliciano, pelo fato de alisar o cabelo, está sendo chamado de “bicha”, “santa” e “gay” pelos próprios militantes do movimento gay — esses verdadeiros aprendizes de Marta Suplicy, que insinuou que Gilberto Kassab é homossexual. Mas ninguém diz que isso é "homofobia" – é apenas a liberdade de expressão dos gays, que vai se tornando infinita e anulando a liberdade de expressão dos demais.
José Maria e Silva é jornalista e sociólogo.
Publicado no Jornal Opção.
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