Dane-se a ética - GIL CASTELLO BRANCO
Muitos se arrepiam ao ouvir palavras como demônio, satanás, diabo e outras semelhantes. Mas os vocábulos fazem parte do dicionário e frequentemente são pronunciados, até por autoridades federais. Na semana passada, o desembargador Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, disse que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, era “duro como o diabo”. A impressão que tenho é que desse “diabo”, atuante e destemido, o povo gosta, perdoando-lhe até os excessos.
Em outra ocasião recente, foi a presidente Dilma quem afirmou: “Na hora da eleição se pode fazer o diabo.” Nesse caso, o diabo é aloprado e se assemelha àquela figura horrenda dos desenhos animados, com pele avermelhada, chifre, rabo, tridente, cueca e meias cheias de dinheiro.
Na verdade, o diabo já esta em campo para as eleições em 2014. Sua presença pode ser sentida, por exemplo, na escolha de Renan Calheiros para a presidência do Senado, embora um milhão e seiscentas mil pessoas — o dobro dos eleitores do senador em Alagoas — tenham se manifestado contrariamente. A figura mítica do demônio também está por trás do 39° ministro empossado. O mostrengo administrativo existente em Brasília, caro e ineficiente, tem agora 24 ministérios, além de dez secretarias da Presidência e 5 órgãos, cujos ocupantes têm status de ministro.
Essa elite “chapa branca”, ao que tudo indica, é recorde mundial. Nos Estados Unidos, país com 315 milhões de habitantes e PIB de US$ 15,5 trilhões, são apenas 15 os ministros. Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel toca a quarta maior economia do planeta com 17 auxiliares diretos. No Brasil, é muito provável que a presidente da República cruze com algum dos seus ministros e sequer lembre o seu nome. Muitos devem encontrá-la nas solenidades e em despachos semestrais, o que aconteceu com a ex-ministra Marina Silva na gestão de Lula. A maioria da população dificilmente será capaz de dizer os nomes de meia dúzia dessas autoridades, o que, aliás, não faz muita diferença.
Com o inchaço da máquina administrativa, o número de servidores públicos federais ativos chegou a 1.130.460 em 2012, com aumento de 136.673 funcionários em relação a 1997. No mesmo período, os cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) cresceram de 17.607 para 22.417 comissionados. Como o que é ruim em Brasília costuma ser reproduzido no resto do País, a União, os estados e os municípios possuem aproximadamente 9,4 milhões de servidores públicos, conforme estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2011. Cerca de 4,9 milhões estão nas prefeituras e 3,5 milhões nos estados. As despesas com pessoal nas três esferas de governo representam 14% do Produto Interno Bruto (PIB). Neste ano, só no Orçamento da União estão previstos R$ 226 bilhões para “pessoal e encargos sociais”, valor quatro vezes maior do que o destinado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Tão ou mais grave do que a proliferação de servidores e ministérios é o fato de que algumas pastas voltarão a ser comandadas por integrantes das mesmas “patotas” dos que foram demitidos pela própria Dilma. Como na política brasileira os interesses eleitorais estão acima dos valores morais, para acomodar a base aliada e impedir que os defenestrados de ontem sejam recebidos amanhã pela oposição de braços abertos, as raposas serão reconduzidas aos galinheiros.
Pouco importa que as investigações da Polícia Federal tenham levado à demissão de 20 servidores no Ministério dos Transportes, dirigido à época pelo senador Alfredo Nascimento, atual presidente do Partido da República (PR). Pouco importa que a Comissão de Ética Pública da própria Presidência da República tenha recomendado a exoneração do então ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, por repasses a ONGs ligadas ao partido, por supostas cobranças de propinas feitas por assessores, além de carona em avião de empresário com negócios no ministério. Embora existam fartos indícios de corrupção, as legendas presididas pelos ex-ministros estão indicando os novos gestores dos milionários currais. Em 2013, os orçamentos dos ministérios dos Transportes e do Trabalho somam R$ 84,4 bilhões. Dane-se a ética.
Assim, apesar da faxina — iniciativa atribuída à presidente Dilma no primeiro ano do seu governo — o “lixo reciclado” deverá voltar à Esplanada dos Ministérios às vésperas de 2014. Como nas eleições “se faz o diabo”, a vassoura vai dar lugar ao tridente. Cruz credo!
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