O bicho inflação - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO -
A inflação está alta, o
governo passa mensagens ambíguas sobre que prioridade tem o combate à
inflação na política econômica; há dúvidas sobre a autonomia do Banco Central,
e parte da alta de preços tem sido camuflada ou adiada. Mesmo assim, a
taxa vai estourar o teto da meta no trimestre que começa semana que vem.
E é esta a maior ameaça ao crescimento.
A presidente pode ficar
brava com a maneira como a sua frase foi noticiada, mas o que ela disse
foi exatamente isso: "eu não concordo com políticas de combate à
inflação que olhem a questão da redução do crescimento econômico" Essa
era o final de uma declaração que ela havia começado dizendo que era o
ministro da Fazenda quem falava sobre a inflação e que terminou
criticando "o remédio que mata o paciente"
Três erros. Primeiro: o Banco Central é
o responsável pelo cumprimento das metas de inflação, e o ministro da
Fazenda deve cuidar da política fiscal, suporte indispensável de
qualquer estabilidade. Segundo: é exato o oposto do que a presidente
disse. O que deveria causar a ela incredulidade é a possibilidade de
manter o crescimento num ambiente de alta de inflação. E terceiro, em
inflação não usar remédio é que ameaça o paciente.
Por sua natureza, a
inflação, quando sobe, consome renda e capacidade de consumo,
desorganiza a economia, aumenta a incerteza e isso leva à retração dos
investimentos. Uma inflação baixa e previsível é o melhor ambiente para a
construção de um projeto de crescimento.
Mas isso o governo sabe.
Tanto que o relatório de inflação de ontem diz exatamente isso. "O
Copom ressalta que a evidência internacional, no que é ratificada pela
experiência brasileira, indica que taxas de inflação elevadas geram
distorções que levam a aumentos de riscos e deprimem os investimentos."
Diz também que "taxas de inflação elevadas subtraem o salários".
Não adianta escrever
isso e entrar no terceiro ano repetindo que não é realista levara
inflação de volta a 4,5% como fez ontem de novo, reproduzindo o mesmo
raciocínio da primeira ata do Copom do governo Dilma. O fato é que nos
anos Dilma a inflação ficou mais alta, e o Banco Central aceita
que ela se acomode em ponto perto do teto da meta. Os economistas que
defendem o governo gostam de lembrar que está havendo choques de por
exemplo. Sim, tem havido choques de preços. É por isso que tem que se
voltar com a meta para o centro, para que o espaço de flutuação cumpra o
seu papel de absorver esses impactos. Se ficar sempre no teto, ou
acima, o choque levará para cada vez mais alto o índice de preços. De um
relatório a outro, a previsão da inflação do ano pelo Banco Central - cenário de referência - aumentou quase um ponto percentual. Ele registra isso e repete que é devido aos "choques!
Parafraseando João do
Vale em Carcará, a inflação é "um bicho que avoa que nem avião" Por
isso, é preciso ser contida e quanto mais cedo melhor, porque ela é um
predador, como sabemos. Não está fora de controle, mas está alta demais
em que qualquer descuido a fará fugir ao controle e subir.
Não adianta muito
garantir que a estabilidade é um valor em si para o governo, se nos seus
atos - e várias palavras - ele demonstra o oposto. A inflação tem
estado constantemente acima do centro da meta, e isso apesar das medidas
tomadas de postergação de correções de preços que servem apenas para
mascarar o problema.
A pedido da coluna, a
analista Adriana Molinari calculou quanto seria a inflação sem alguns
dos truques do governo. Em fevereiro, por exemplo, teria sido de 1%, o
que elevaria a taxa anual para 7,08%. Um desses truques é postergação de
aumentos, como o de ônibus, o outro é o da redução da energia, que
todos sabem que será neutralizado em grande parte pelo uso das térmicas.
O economista Elson Teles, do Itaú Unibanco, acha que alimento em casa
deve estar em 15%, em doze meses, neste mês de março. O país está
atravessando um período em que naturalmente alimento pesa muito pela
alta dos preços de legumes, verduras e frutas.
Independentemente das
explicações localizadas, das altas sazonais, o fato é que a inflação
está perigosamente andando no teto da meta e, na prática, poderia já ter
estourado. O risco é alto. E quando o governo tem que passar um dia
inteiro explicando uma declaração é que ela foi infeliz.
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