Jornalista Andrade Junior

sábado, 30 de março de 2013

Governos e sindicatos, relações bastardas



‘Governos e sindicatos, relações bastardas’, por Almir Pazzianotto Pinto

João Goulart (1919-1976) é personagem singular e enigmática da nossa história. Escolhido por Getúlio Vargas para sucedê-lo como condutor da política trabalhista, Jango herdou a resistência das elites e a desconfiança das Forças Armadas.
A aproximação entre Vargas e Jango iniciou-se no final de 1945 quando o presidente, deposto no dia 29 de outubro pelos generais, foi confinado na estância de Itu, município de São Borja, vizinha da propriedade da família Goulart. Partiu daí a transformação do jovem criador de gado em político do PTB gaúcho, pelo qual se tornou deputado estadual em 1947, federal em 50, presidente nacional do partido em 52, ministro do Trabalho em 53.
Convocado por Vargas ─ que voltara ao Catete eleito presidente da República em 1951 ─ para fortalecer vínculos com o movimento sindical, Jango “tornou-se figura de destaque e árbitro dos conflitos entre os trabalhistas, ao mesmo tempo em que, em estreita ligação com Vargas, passava a controlar os principais cargos de chefia na Previdência Social”. Simultaneamente, se empenhava na tarefa de atribuir importância nacional às organizações sindicais, “de forma a constituir uma força que pudesse dar respaldo ao presidente, atingido, no segundo ano do governo, pelos efeitos da crise política, latente desde o período eleitoral” (Dicionário Histórico- Biográfico Brasileiro, vol. III).
Desde a Carta Constitucional de 1937, sob a qual foi redigida a CLT, governo e sindicatos cultivam relações bastardas. Relata João Pinheiro Neto, no livro “Jango, Um Depoimento Pessoal” (Ed. Record) que, quando Ministro do Trabalho, várias vezes Goulart lhe disse “Tu, que és menino inteligente, diga a esses homens (referia-se às lideranças sindicais) que não forcem demais, que me deixem um pouco tranquilo. E acrescentava: Podes anotar: se me apertarem demais e eu cair, virá por aí uma ditadura militar que vai durar vinte anos. E, quando isso acontecer, os nossos líderes sindicais não poderão andar nem na rua…”  O temor de quem se sentia acossado, e não dispunha de força para resistir ao assédio sindical, era profético, e seria confirmado pelos fatos.
A promiscuidade com o peleguismo foi obra de Vargas, exímio na arte de manipulá-lo. Jango não aprendeu com o mestre, e (na presidência da República) se deixou envolver por dirigentes ambiciosos, que imaginavam assumir o domínio do País a partir de movimentos grevistas, como o deflagrado em outubro de 1963 por 77 sindicatos e 4 federações estaduais, representantes de metalúrgicos, têxteis, gráficos, marceneiros, químicos-farmacêuticos, liderados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) controlada por aliança entre PTB e PCB.
Apoiada abertamente por Jango e Amauri Silva, Ministro do Trabalho, a “greve dos 700 mil” não resistiu à intervenção do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, acionado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Mas eliminou a escassa confiança do setor patronal no propalado espírito cordato e conciliador do presidente.
O golpe de 31 de março de 64 provocou total desarticulação do sindicalismo comuno-petebista. Entre os primeiros 100, cujos direitos políticos foram suspensos por 10 anos pelo Ato nº 1 (de 9/4/1964) do Comando Supremo da Revolução, 40 eram sindicalistas, entre os quais Clodismith Riani, Dante Pelacani e Hércules Correia, diretores da CNTI e líderes Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Para ocupar os postos deixados pelos cassados o governo nomeou interventores como Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, que seria presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.
A truculência do governo militar provocou a substituição dos protagonistas da promiscuidade. Ao invés de sindicalistas ligados à denominada esquerda progressista, o que se observou foi a brusca ascensão de elementos das oposições na chefia de sindicatos, federações e confederações, em íntima colaboração com o Ministério do Trabalho, que lhes garantia sucessivas reeleições e os alimentava com o Imposto Sindical.
Em 1946 e 1988 perderam-se duas excelentes oportunidades de moralização do movimento sindical. O art. 8º (da Constituição de 88), o pior texto da história na matéria, afastou o poder de intervenção direta do Estado, mas conservou o sistema confederativo, a divisão de empregadores e empregados em categorias, o monopólio de representação, a Contribuição Sindical obrigatória para não associados, o registro no Ministério do Trabalho.
Governo e sindicatos cultivam relações bastardas. O primeiro, porque lhe dão tranquilidade, capacidade de controle e apoio eleitoral. Quanto aos segundos, tiram o máximo proveito da promiscuidade: recebem polpudas ajudas em dinheiro público, gozam de prestígio político, interferem na escolha de ministros, têm livre acesso a palácios e ministérios. Ser dirigente sindical próximo do governo é a melhor posição que alguém pode almejar, por trazer vantagens sem gerar preocupações.
A presidente Dilma Rousseff havia adotado postura austera e firme diante das centrais. Buscou, aparentemente, fazer com que entendessem haver larga distância entre interesses pessoais de dirigentes, ávidos de dinheiro ou de ascensão política, e relevantes projetos nacionais, como tornar a economia competitiva no mundo globalizado, começando pela reforma dos portos e aeroportos.
Aconselhada pelo ex-presidente Lula, deu um passo atrás e as reconduziu a lugar de honra no Planalto. O primeiro fruto da reaproximação consiste na atitude da Força Sindical, autora de manifestações contra a privatização de terminais portuários prevista na Medida Provisória 595, em tramitação no Poder Legislativo.
S.Exa. poderia dedicar algumas horas à história do trabalhismo janguista, e certamente concluirá que relações incestuosas, com o peleguismo, jamais trarão resultados benéficos ao País.
Almir Pazzianotto Pinto é advogado; foi Ministro do Trabalho e presidente do TST.

 

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