Jornalista Andrade Junior

domingo, 24 de março de 2013

A cultura antes da política



Para o conservador, a política é apenas um dos vários instrumentos de exercício do conservadorismo, mas está longe de ser o mais nobre ou o mais eficaz.

Há uma galeria notável de intelectuais que se aventurou na sempre arriscada, mas grandiosa, tarefa de definir o que é o conservadorismo – e me refiro ao pensamento conservador britânico. Desde Richard Hooker, o fundador do Conservadorismo antigo, temos uma lista canônica de cavalheiros conservadores do passado e do presente: Marquês de Halifax, Edmund Burke, Lord Hugh Cecil, Michael Oakeshott, Russell Kirk, John Kekes, Anthony Quinton, Roger Scruton, Kenneth Minogue, Kieron O’Hara.

Definir o que é o conservadorismo não é uma tarefa simples para conservadores nem para os filósofos políticos. Porque conservadorismo em si não é uma ideologia, nem uma filosofia e muito menos um programa de aplicação política. Trata-se, contudo, de um espírito, de uma disposição – para usar o termo do filósofo político Michael Oakeshott – que se alicerça ou se manifesta num conjunto de princípios, valores, hábitos, práticas e ideias que emergem da rica experiência da vida em sociedade, dentro da qual se localiza a política.
Qualificar o conservadorismo como um espírito ou como uma disposição é o mais próximo que podemos ter de uma concepção abrangente, mas talvez a imagem mais adequada sobre o que é o conservadorismo seja a do trimmer, extraída da terminologia náutica pelo Marquês de Halifax. O trimmer, ferramenta responsável por manter o equilíbrio da embarcação quando o seu curso é ameaçado, serve perfeitamente ao objetivo de Halifax de realçar o exercício suave do conservadorismo, que, no caso da política, não muda de posição com o advento das modas ideológicas e se caracteriza pela reação às ameaças de alterações radicais ou mudanças que provoquem sofrimento e que rompam aquela ligação de familiaridade que o indivíduo tem com o presente e com aquilo que possui.
Para o conservador, a política é apenas um dos vários instrumentos de exercício do conservadorismo, mas está longe de ser o mais nobre ou o mais eficaz. Não é sem razão que o Partido Conservador Inglês nasce da aversão pela política partidária, segundo mostra Roger Scruton no seu precioso The Meaning of Conservatism, que recomendo vivamente.
Essas observações são necessárias para tentar obter uma resposta à legítima pergunta: onde estão os políticos conservadores brasileiros?
No entanto, acredito que há uma pergunta prévia a ser feita: o que é e onde está o conservadorismo brasileiro? Porque para que uma Margaret Thatcher fosse possível – e ela é apenas uma dentre tantos políticos conservadores britânicos – foi preciso, antes, haver um conservadorismo que conquistasse e influenciasse uma parcela da sociedade.
No Brasil, antes de pensar num político conservador é preciso que tenhamos um pensamento conservador que possa influenciar culturalmente a sociedade. Só depois disso é que será possível esperar o surgimento de uma elite política apta a defender princípios e valores conservadores. A batalha, antes de ser política e econômica, é cultural.
Se a política conservadora vier antes do conservadorismo poderá acontecer o que um conservador britânico rejeitaria de forma absoluta: a criação artificial de um estímulo conservador pelo exercício centralizado da política partidária. Isso seria uma forma rápida de destruir o que esse mesmo conservador preza: uma sociedade na qual a família, a liberdade, a propriedade e a ordem seriam preservadas porque garantem seus modos de vida, sua tradição e a busca livre pela prosperidade.


Bruno Garschagen
é cientista político pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica de Lisboa e University of Oxford, e podcaster do Instituto Ludwig von Mises.
Publicado na revista Vila Nova.

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