Revista ISTO É -
O
novo ministro da Agricultura, criador de gado, é parceiro e cliente de
um abatedouro clandestino. Por muito menos, cabeças ministeriais já
rolaram.
O odor de sangue apodrecido misturado com dejetos provoca náuseas. A cena é medieval. A foto que ilustra esta reportagem capta o final de mais um dia de trabalho no Matadouro do Rogério, em Vazante, cidade mineira que fica a apenas 350 quilômetros de Brasília. O funcionário manipula o que sobrou do gado abatido na madrugada. Nada é desperdiçado. A membrana que envolve as vísceras do animal será usada para fabricar sabão. As cabeças dos animais serão moídas e transformadas em ração. Os dejetos vão alimentar os cachorros e as galinhas que convivem no mesmo espaço — um galpão pestilento.
No momento da fotografia, a carne já havia seguido para as prateleiras dos supermercados e açougues da região. É repugnante imaginar que um terço da produção bovina consumida pelos brasileiros é oriunda de lugares assim.
É mais repugnante ainda saber que
isso acontece em tão larga escala por incompetência, inoperância e
negligência dos órgãos de fiscalização. O Matadouro do Rogério seria
apenas mais um entre milhares de estabelecimentos iguais que funcionam
país afora se não fosse um detalhe: ele tem entre seus clientes ninguém
menos que o novo ministro da Agricultura.O odor de sangue apodrecido misturado com dejetos provoca náuseas. A cena é medieval. A foto que ilustra esta reportagem capta o final de mais um dia de trabalho no Matadouro do Rogério, em Vazante, cidade mineira que fica a apenas 350 quilômetros de Brasília. O funcionário manipula o que sobrou do gado abatido na madrugada. Nada é desperdiçado. A membrana que envolve as vísceras do animal será usada para fabricar sabão. As cabeças dos animais serão moídas e transformadas em ração. Os dejetos vão alimentar os cachorros e as galinhas que convivem no mesmo espaço — um galpão pestilento.
No momento da fotografia, a carne já havia seguido para as prateleiras dos supermercados e açougues da região. É repugnante imaginar que um terço da produção bovina consumida pelos brasileiros é oriunda de lugares assim.
O deputado federal Antônio Andrade, do PMDB de Minas Gerais, tomou posse no cargo há pouco mais de uma semana. Além de político, ele é um bem-sucedido fazendeiro em Vazante, onde tem seis propriedades rurais e um rebanho de quase 3 000 cabeças de gado. Rogério Martins da Fonseca também é muito conhecido na cidade. Dono do matadouro que leva seu nome, ele e o ministro são amigos há mais de duas décadas — e parceiros nos negócios. “O último gado que comprei do ministro foi em dezembro. Foram 22 reses", confirma o empresário. Cada boi foi vendido por 1000 reais. Como tudo é clandestino, não há formalização dessas operações. Toninho, como o ministro é conhecido na região, também usa os serviços do abatedouro para processar a carne que ali menta os funcionários de suas fazendas. “A gente mata o boi aqui e leva a carne para os peões", conta Moacir Pereira, o encarregado do matadouro. Segundo ele, o ministro paga 40 reais por animal abatido.
Ex-prefeito de Vazante, Antônio Andrade confirma que é amigo de Rogério Martins, nega que tenha negócios com ele e garante que desconhece até mesmo a existência do matadouro clandestino. "Nunca ouvi falar nisso. O meu gado é comercializado só com grandes frigoríficos", disse a VEJA. Na cidade, ao contrário do ministro, todos conhecem o Matadouro do Rogério, principalmente a polícia e o Ministério Público. O estabelecimento foi autuado pela primeira vez em 2006, depois de uma inspeção que detectou o abate ilegal e as terríveis condições de higiene do lugar. As vacas são amarradas e atingidas com marretadas na cabeça. Um corte no pescoço, na maioria das vezes com o animal ainda vivo, faz o sangue jorrar. Com uma serra elétrica, os funcionários separam as partes que serão comercializadas. Os fiscais encontraram um ambiente propício para a proliferação de insetos e roedores. Não há refrigeração ou equipamentos adequados para manipulação de alimentos.
Nem mesmo uma mesa. Antes de embarcar em tonéis de plástico para os supermercados, a carne é cortada e lavada no chão em meio aos dejetos. A poucos metros, existe uma fossa séptica transbordando. Em média, 280 bois são abatidos por mês nessas condições.
Na época da interdição, Rogério Martins chegou a pedir conselhos ao deputado Toninho, que, segundo ele, foi quem mais o incentivou a deixar a clandestinidade: “Eu falei que eu queria fazer o frigorífico, e Toninho falou: "Rogério, é uma boa, é uma visão boa. Se você precisar de alguma coisa, estou disposto a ajudar. O município de Vazante precisa. Pode investir’”. O empresário até investiu um pouco. Fez um acordo com o Ministério Público e iniciou a construção de um frigorífico ao lado do galpão de abate, o que lhe deu direito a um alvará provisório de funcionamento. Os promotores, porém, informam que ele não cumpriu nenhuma das exigências feitas — mas. ainda assim, o matadouro continua funcionando. “Vamos determinar à polícia ambiental que faça uma nova inspeção no local”, disse o promotor José Geraldo Rocha. O prefeito José Benedito, do PHS. Partido Humanista da Solidariedade, tomou posse há três meses. Antigo aliado político do agora ministro, ele também desconversa ao ser questionado sobre o assunto: “Ainda estou me inteirando dos problemas”.
Antônio Andrade foi escolhido para chefiar o Ministério da Agricultura não pela competência nem pela reconhecida capacidade de gestão, mas por uma estratégia político-eleitoral. Presidente do PMDB mineiro, sua indicação é uma espécie de seguro que garante a aliança estadual entre seu partido e o PT nas eleições de 2014. Infelizmente, há muito tempo que a máquina pública tem sido gerida dessa maneira, priorizando interesses políticos em detrimento do bem público, mesmo pondo em risco o bom funcionamento de setores importantes e estratégicos da economia, corno o agropecuário. Hoje. 30% da carne consumida no país tem origem clandestina e é manipulada em estabelecimentos iguais ou piores do que o Matadouro do Rogério, expondo milhões de pessoas a doenças graves. Acabar com esse lado ainda medieval e vergonhoso do Brasil exige rigor, empenho e determinação. A dúvida é saber se um produtor rural que tolera, utiliza e até lucra com a clandestinidade está à altura de tamanho desafio.
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