Ferreira Gullar- Folha de São Paulo -
O próprio Lula admitiu que houve o mensalão ao pedir desculpas publicamente em discurso à nação
Muitos
de vocês, como eu também, hão de se perguntar por que, depois de tantos
escândalos envolvendo os dois governos petistas, a popularidade de
Dilma e Lula se mantém alta e o PT cresceu nas últimas eleições
municipais. Seria muita pretensão dizer que sei a resposta a essa
pergunta. Não sei, mas, porque me pergunto, tento respondê-la ou, pelo
menos, examinar os diversos fatores que influem nela.
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Assim, a primeira coisa a fazer é levar em conta
as particularidades do eleitorado do país e o momento histórico em que
vivemos. Sem pretender aprofundar-me na matéria, diria que um dos traços
marcantes do nosso eleitorado é ser constituído, em grande parte, por
pessoas de poucas posses e trabalhadores de baixos salários, sem falar
nos que passam fome.
Isso o distingue, por
exemplo, do eleitorado europeu, e se reflete consequentemente no
conteúdo das campanhas eleitorais e no resultado das urnas. Lá, o
neopopulismo latino-americano não tem vez. Hugo Chávez e Lula nem
pensar.
Historicamente, o neopopulismo é
resultante da deterioração do esquerdismo revolucionário que teve seu
auge na primeira metade do século 20 e, na América Latina, culminaria
com a Revolução Cubana. A queda do Muro de Berlim e o fim da União
Soviética deixaram, como herança residual, a exploração da desigualdade
social, já não como conflito entre o operariado e a burguesia, mas, sim,
entre pobres e ricos. O PT é exemplo disso: nasceu prometendo fazer no
Brasil uma revolução equivalente à de Fidel em Cuba e terminou como
partido da Bolsa Família e da aliança com Maluf e com os evangélicos.
Esses
são fatos indiscutíveis, que tampouco Lula tentou ocultar: sua aliança
com os evangélicos é pública e notória, pois chegou a nomear um
integrante da seita do bispo Macedo para um de seus ministérios. A
aliança com Paulo Maluf foi difundida pela televisão para todo o país.
Mas nada disso alterou o prestígio eleitoral de Lula, tanto que Haddad
foi eleito prefeito da cidade de São Paulo folgadamente.
E
o julgamento do mensalão? Nenhum escândalo político foi tão difundido e
comprovado quanto esse, que resultou na condenação de figuras do
primeiro escalão do PT e do governo Lula. Não obstante, o número de
vereadores petistas aumentou em quase todo o país.
E
tem mais. Mal o STF decidiu pela condenação de José Dirceu, José
Genoino e Delúbio Soares, estourava um novo escândalo, envolvendo, entre
outros, altos funcionários do governo, Rose Noronha, chefe do gabinete
da Presidência da República em São Paulo e pessoa da confiança e da
intimidade de Lula.
Em seguida, as revelações
feitas por Marcos Valério vieram demonstrar a participação direta de
Lula no mensalão. Apesar de tudo isso, a última pesquisa de opinião da
Datafolha mostrou que Dilma e Lula continuam na preferência de mais de
50 % da opinião pública.
Como explicá-lo? É
que essa gente que os apoia aprova a corrupção? Não creio. Afora os que
apoiam Lula por gratidão, já que ele lhes concedeu tantas benesses, há
aqueles que o apoiam, digamos, ideologicamente, ainda que essa ideologia
quase nada signifique.
Esse é um ponto que
mereceria a análise dos psicólogos sociais. O cara acha que Lula encarna
a luta contra a desigualdade, identifica-se com ele e, por isso, não
pode acreditar que ele seja corrupto. Consequentemente, a única opção é
admitir que o Supremo Tribunal Federal não julgou os mensaleiros com
isenção e que a imprensa mente quando divulga os escândalos.
O
que ele não pode é aceitar que errou todos esses anos, confiando no
líder. Quando no governo Fernando Henrique surgiu o medicamento
genérico, os lulistas propalaram que aquilo era falso remédio, que os
compridos continham farinha. E não os compravam, ainda que fossem muito
mais baratos. Esse tipo de eleitor mente até para si mesmo.
Não
obstante, uma coisa é inegável: os dirigentes petistas sabem que tudo é
verdade. O próprio Lula admitiu que houve o mensalão ao pedir desculpas
publicamente em discurso à nação.
Por isso,
só lhes resta, agora, fingirem-se de indignados, apresentarem-se como
vítimas inocentes, prometendo ir às ruas para denunciar os caluniadores.
Mas quem são os caluniadores, o Supremo Tribunal e a Polícia Federal?
Essa é uma comédia que nem graça tem.
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