Truques e pajelanças
Suely Caldas
O Estado de S. Paulo
Ao assumir o governo de São Paulo, em 1995, uma desagradável surpresa aguardava o ex- governador Mário Covas: seu antecessor havia antecipado a venda de energia elétrica a grandes consumidores por prazos de três, quatro anos, oferecendo descontos pra lá de camaradas. Assim o ex-governador Luiz Antônio Fleury foi buscar no futuro recursos para sua gestão, mas as elétricas (então) estaduais (Cesp, Eletropaulo e CPFL) teriam de fornecer energia sem nada receberem durante o mandato de Covas.
Dias antes de deixar o governo no Rio, em 2002, o ex-governador Anthony Ga- rotinho retirou dos cofres da Previ-Banerj um lote de títulos públicos que tratou de transformar em dinheiro vivo, vendendo-os no mercado com deságio. Garotinho apropriava-se de dinheiro que não lhe pertencia, tampouco ao Estado já que era destinado exclusivamente a pagar, no futuro, a aposentados do antigo banco estadual, vendido ao Itaú.
Ao antecipar
receita dos chamados recebíveis de Itaipu (créditos que o Tesouro tem a
receber da hidrelétrica até 2023) para bancar o desconto nas contas de
luz, Dilma Rousseff usou o mesmo ardil financeiro de Fleury e Garotinho,
com uma diferença: agora, pelo menos, a finalidade é mais nobre. O que
não justifica o disfarce. Afinal, em democracias com alternância de
poder o governante que antecipa receitas públicas que ultrapassam seu
mandato, além de se apropriar indevidamente do que caberia ao sucessor,
usurpa o direito de gerações futuras usufruírem o dinheiro.
Energia
barata o Brasil inteiro quer. E o governo aproveitou aconcentração de
vencimentosde concessões elétricas para obrigar as empresas a reduzir a
conta de luz. Poderia ter feito melhor, de for- manegociada, sem
imposição, sem traumas e provavelmente sem necessidade de tirar do cofre
R$ 8,5 bilhões. No final, apopulação e as empresas saíram
beneficiadas.Até hoje não há notícia de nenhuma concessionária ter
recorrido à Justiça para reverter a queda da tarifa, como algumas
chegaram a ameaçar. E agora é esperar para ver se o encolhimento do
faturamento vai ou não prejudicar investimentos em manutenção e geração,
como elas alardearam. Mas é preciso que o governo aja respeitando
princípios e direitos, não avance sobre a gestão de governantes futuros -
sejam da oposição, do PT ou apropria Dilma - nem prejudique gerações
que estão por vir.
Aliás, nestes dois anos de
gestão Dilma, na direção oposta à do franzino produto interno bruto
(PIB), tem crescido com vibrante vigor esse tipo de ação o que alguns
chamam de contabilidade criativa, mas, na verdade, não passa de
manobras, truques e trapaças para driblara inflação e o resultado
fiscal. A palavra-chave da pajelança é postergar. Em vez de combater
entraves ao crescimento na sua estrutura, com reformas, redução do custo
Brasil, estímulo ao investimento privado em infraestrutura, a equipe
econômica tem recorrido à tática de tapar buracos aqui e ali, que viram
verdadeiras crateras alimentadas pelo adiamento da solução.
Adiar
o aumento do preço da gasolina é o mais grave deles no curto prazo
porque está aniquilando a Petrobrás. Mas há outros. Se a inflação ameaça
subir, o governo pede a governadores e prefeitos que adiem o aumento de
tarifas de ônibus, metrô e trens. O pedido é atendido e mesmo assim o
IPCA-15 acelerou para o,88% em janeiro. Se a importação de combustíveis
dispara e reduz o saldo comercial, a Receita Federal trata de baixar
resolução ampliando o prazo para a Petrobrás contabilizar as
importações. Com isso adia para as contas de 2013 o que foi importado em
2012. Resultado: nos primeiros 20 dias de janeiro o saldo comercial já
está negativo em U$ 2,7 bilhões. Como não conseguia fechar as contas de
2012, o ministro Mantega dirigiu a pajelança para o BNDES, a Petrobrás e
a Caixa Econômica, que, em truques de operações triangulares,
propiciaram o cumprimento da meta fiscal. E no Orçamento o item restos a
pagar que ficaram para 2013 somou a absurda cifra de R$ 200 bilhões.
Transitando em seguidos adiamentos, o que fará o governo quando chegar a hora da verdade?
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