Da série de cronicas que decidi compartilhar com os amigos, essa é bastante atual. Pena que não tenho o autor, mas o texto é fantástico.
Até os bandidos se revoltaram com as imposições do apagão:
– Vamos fechar as bocas-de-fumo por tempo indeterminado! –
anunciou Lagostinha, o terror do Morro da Quizumba, na periferia de Deus Me
Livre.
O morro ficou às escuras. A fila que costumava serpentear
becos e vielas foi dissolvida. Os soldados de Lagostinha limitavam-se a
informar aos clientes:
– Sujou...
– Polícia?
– Não, apagão.
– Cortaram as cargas?
– Não, a gambiarra.
A medida teve repercussões imediatas. Como em boca fechada
não entra nem mosca, a turma foi obrigada a fechar o clube e cancelar o baile
funk.
– Ué? Mas por causa de que, sangue bão?
– É porque tá apagado...tá tudo apagado...
– Pô, aí, não tô nem te entendendo. Logo hoje, que eu
marquei um apontamento com uma tremenda popozuda da área?
– Melou, sangue bão, melou. Só lamento.
– Maior preju, maluco. Perdi a tchutchuca, fiquei caretão...
– É a crise. Cada um tem que dar sua cota de sacrifício.
– Aí, maluco, seguinte: não dou a cota pra ninguém.
– Tá certo sim, sangue bão. Cada um dá o que é seu, e
ninguém tem nada com isso. Agora, leva comigo...
Cantaram juntos:
– Tá apagado... Tá tudo apagado, vamo lá...
Sem boca-de-fumo e baile funk, o bloco carnavalesco também
foi obrigado a fechar as portas. Depois, foi a vez do clube de futebol, do
carteado e de todos os bares da vizinhança. O breu se espalhou até pelas
associações de moradores, diretórios de partidos políticos, templos de
diferentes credos e créditos, escolas, universidades, hospitais, postos de saúde,
destacamentos policiais militares, correios e telégrafos, postos de gasolina,
bancos, bancas de jornais, parques de diversões e diversas repartições ligadas
ao Executivo, Legislativo e judiciário.
Até que um emissário lá de baixo pediu audiência com o Lagostinha:
– Serei objetivo.
– Seja.
– Doutor mandou dizer que a sua gambiarra está liberada. Foi
incluída entre outros pontos de utilidade pública.
Lagostinha estufou o peito:
– Pois então diga a ele que Deus Me Livre vai voltar a
funcionar a todo o vapor.
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