Para salvar o mérito
EDITORIAL O GLOBO
Universidades
públicas paulistas tentam contornar a mais grave das distorções das
cotas raciais, que é subordinar à cor da pele a definição do futuro da
criança pobre. Se ela nascer "negra, parda ou indígena", terá facilitado
o ingresso no ensino superior público. Em boa medida, a sua vida
dependerá bem menos do esforço próprio do que de contingências de
misturas de DNAs. Caso não tenha a sorte de ser "negra, parda ou
indígena", precisará contar com uma improvável fonte de renda para
financiar o estudo num estabelecimento escolar privado ou tirar a sorte
grande de obter alguma bolsa.
Refratárias, com razão, à aplicação da cota como
desejavam os movimentos racialistas, poderosos dentro do governo e no
Congresso - mais fortes ainda depois do respaldo recebido no Supremo -,
USP, Unicamp e Unesp, entre outras, forçadas por lei, devem começar a
adotar cotas este ano, de maneira progressiva. Porém, de forma a atenuar
a desimportância do mérito escolar como critério de seleção de cotistas
para o ingresso no ensino superior gratuito.
O
método prevê um curso preparatório de dois anos para alunos de escolas
públicas selecionados de acordo com as notas do Enem, sobre os quais se
aplicam as regras das cotas raciais. Este curso concederá um diploma de
nível universitário, já para facilitar a entrada da pessoa no mercado de
trabalho. O diploma também será aceito em concursos públicos. Se o
estudante quiser, cursa a universidade - com menos problemas para
acompanhar as aulas, espera-se.
Trata-se de
uma mistura de "cota racial" e "cota social", princípio também adotado
pela lei federal - provavelmente para desgosto de racialistas mais
radicais. Aliás, várias universidades paulistas já seguem políticas de
ação afirmativa voltadas aos estudantes da rede pública, sem
discriminação de cor, como é razoável.
É
feita, então, toda uma acrobacia administrativa para aplicar a lei com
filtros, a fim de impedir, o máximo possível, a contaminação da
qualidade do ensino superior pelo ingresso de estudantes mal preparados -
não por culpa deles, mas da má qualidade do ensino público básico.
A
história seria outra, sem dar chances à possibilidade de choques entre
alunos em função da cor da pele - uns privilegiados, outros, não -, se
houvesse prevalecido a proposta de uma única, grande e democrática ação
afirmativa: a melhoria urgente do ensino público básico. Sob a ação de
lobbies, preferiu-se a solução politicamente correta e demagógica das
cotas raciais, já contestadas nos Estados Unidos, de onde se importou a
ideia.
Infelizmente, vingou a tese da "dívida
histórica", quando, na realidade, os negros mandados para o Brasil
foram tornados escravos por outros negros durante guerras tribais na
África. Os derrotados eram presos e vendidos. Em alguns casos, eram
vendidos no Brasil também para outros negros. A grande dívida histórica
brasileira é com o pobre, de qualquer cor.
Agora, num país assentado numa sociedade miscigenada, cria-se um apartheid contra o branco de baixa renda. Terrível erro.
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