A maguiagem da inflação
O governo federal continua mais empenhado em controlar o índice de
inflação do que em criar as condições necessárias à estabilidade de
preços. Continua, portanto, mais preocupado com a aparência do que com a
realidade da inflação. O novo grande truque de maquiagem para 2013 deve
ser a redução da conta de energia elétrica, promessa formulada há
alguns meses pela presidente Dilma Rousseff e reafirmada várias vezes
por ministros e funcionários de alto nível. O abatimento médio para a
indústria e os demais consumidores deve ser de 20,2%, disse na
sexta-feira o secretário executivo e ministro interino da Fazenda,
Nelson Barbosa, reforçando o discurso apresentado nos dias anteriores
pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Diante do
discurso-padrão ouvido em Brasília há algum tempo, fica difícil imaginar
se o controle monetário e a disciplina fiscal ainda terão, do ponto de
vista do governo, alguma relevância para a política anti-inflacionária.
...
Sem o corte de impostos sobre automóveis e outros bens duráveis, a
inflação medida pelo IPCA teria superado os 5,84% anunciados na quinta-
feira. Esse efeito foi reconhecido pelo ministro interino da Fazenda.
Ele poderia ter mencionado também a contenção de preços dos
combustíveis. Os aumentos concedidos foram inferiores aos pretendidos
pelos dirigentes da Petrobrás e indicados no plano de negócios da
companhia. O consumidor foi poupado, mas a cúpula da empresa continua
reclamando um ajuste realista.
Ministros, dirigentes do BC e outros funcionários federais continuam
falando, no entanto, como se expedientes como esses compusessem de fato
uma política de combate à inflação. O ministro interino da Fazenda
chegou a indicar, na sexta- feira, o possível impacto da redução das
tarifas de energia elétrica na formação do IPCA. Conversas desse tipo
são um tanto estranhas e preocupantes quando envolvem uma autoridade
especializada em análise econômica.
Para começar, é um despropósito falar de impostos como se fossem um
fator inflacionário. O corte de um tributo, mesmo definitivo, apenas
contribui para a redução de uma classe de preços. Não elimina pressões
derivadas de fatores como o aumento de salários acima dos ganhos de
produtividade, uma forte expansão do crédito, uni aumento imoderado do
gasto público ou uma combinação de todas essas variáveis. Alguns preços
podem cair e levar o índice geral para baixo, mas o movimento de alta
será reiniciado, se as reais causas da inflação permanecerem. É este o
caso do Brasil. Além disso, nem se pode contar com uma redução
permanente de tributos, porque os cortes são provisórios.
Também o controle dos preços de combustíveis é um remédio impróprio
contra a inflação. A contenção irrealista dos preços da gasolina e do
diesel afeta o fluxo de caixa e a rentabilidade da Petrobrás,
prejudicando sua capacidade de investir e tornando suas ações menos
atrativas.
Não por acaso, nem por capricho dos investidores, o valor de mercado da
Ambev superou o da Petrobrás. A manipulação de preços foi apenas um dos
fatores, ao lado de outras intervenções desastradas. Outra conseqüência
dessa política foi o desacerto da relação de preços da gasolina e do
etanol, com reflexos muito ruins para o setor sucroalcooleiro. Tudo isso
apenas serve para maquiar a inflação, mas os prejuízos para a economia
são reais e muito claros.
No caso das tarifas de eletricidade, o discurso do governo é ainda mais
despropositado. A redução do custo da energia elétrica é muito
bem-vinda, em princípio, porque tanto beneficia as famílias consumidoras
quanto alivia os custos de produção e torna o País mais competitivo.
Essa mudança tem sentido somente como política estrutural. É preciso
verificar se há condições sustentáveis para o corte de tarifas, sem
prejuízo para a capacidade de investimento e sem sobrecarga para o
Tesouro. Ao insistir na redução imediata da conta de energia, mais uma
vez o governo age de forma voluntarista e confunde questões muito
diferentes. As pressões inflacionárias resultam principalmente de erros
da política, a começar pela manutenção, desde 2005, de uma meta de
inflação muito alta pelos padrões internacionais.
Fonte: Estadão
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