EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo -
No início de dezembro, às vésperas das festas de fim de ano, anunciava-se no Congresso Nacional o começo de um período de esforço concentrado para desatar o nó de pelo menos três assuntos da maior importância então pendentes: o veto presidencial ao projeto dos royalties do petróleo, as novas regras para a partilha do Fundo de Participação dos Estados e o Orçamento da União para 2013. O ano terminou, os parlamentares entraram em recesso para desfrutar de merecidas férias e os três assuntos importantes - para não falar de muitos outros, como a regulamentação de uma enorme quantidade de dispositivos da Constituição aprovada há quase um quarto de século - permanecem pendentes. É o caso, então, de perguntar: para que serve, afinal, o Congresso Nacional?
Composto por duas casas, o Senado Federal e a
Câmara dos Deputados, o Congresso tem a responsabilidade constitucional e
republicana básica de, no plano federal, legislar e fiscalizar as ações
do Executivo. É o que, essencialmente, cumpre aos 81 senadores, eleitos
em pleito majoritário para um mandato de oito anos como representantes
dos Estados, e aos 513 deputados federais, eleitos em pleito
proporcional para um mandato de quatro anos como representantes dos
cidadãos. São, todos, mandatários muito bem remunerados - até porque são
eles mesmos que definem seus ganhos - e detentores de um enorme rol de
benefícios, prerrogativas e imunidades, tudo estritamente legal - até
porque são eles próprios que se atribuem todos esses privilégios. Até
aí, tudo bem.
Quanto a legislar e fiscalizar o governo, há controvérsias.
Ressalvada
a hipótese de uma Assembleia Nacional Constituinte - que não se convoca
todos os dias, a última é de 1988 -, legislar sobre questões relevantes
é uma prática da qual os nobres senadores e deputados estão cada vez
mais desabituados. O Executivo, cada vez mais centralizador e
intervencionista, tem cuidado disso. Criou-se até, em 2001, uma
ferramenta utilíssima, a Medida Provisória, que poupa os parlamentares
da trabalheira e o Executivo do exercício da paciência. O presidente
assinou, está valendo. O que é coerente com o presidencialismo - que
alguns dizem ser imperial - em que vivemos.
Mas
é claro que o Poder Executivo não pode prescindir do aval do Parlamento
a suas iniciativas mais relevantes. Necessita, portanto, de uma "base
de apoio" que garanta a formalidade da aprovação de medidas de seu
interesse. Para isso funciona o "presidencialismo de coalização", ou
seja: o governo trabalha para conquistar o apoio no Congresso do maior
número possível de partidos, tarefa muito facilitada, aliás, pelo fato
de a maior parte das legendas existir apenas para negociar apoio ao
governo. Esse sistema, que tem muito mais a ver com fisiologismo do que
com programas ou ideologias, também é conhecido como "toma lá, dá cá".
Não é novidade. É apenas a versão parlamentar do patrimonialismo que
impera desde sempre na vida pública brasileira. Nos últimos anos esse
sistema foi muito aperfeiçoado. E, para operá-lo com maior eficiência, o
lulopetismo entregou o comando do Congresso a especialistas de
reconhecida competência, dentre os quais se destacam as figuras luzidias
dos senadores José Sarney e Renan Calheiros - atual e futuro
presidentes do Senado - e dos deputados Michel Temer, hoje
vice-presidente da República, e Henrique Eduardo Alves, que se prepara
para assumir a presidência da Câmara com a promessa de confrontar e
desobedecer o Supremo Tribunal Federal, que tantos dissabores tem
causado a Lula & Cia.
Seria muito bom
para o Brasil se o panorama descrito acima fosse uma caricatura.
Infelizmente, não é. Que o diga a presidente Dilma Rousseff. A aprovação
de reformas políticas que resgatem o Parlamento do papel subalterno de
grande balcão de negócios e votos a que está reduzido deixou de ser
prioridade do PT desde o instante em que chegou ao poder. E Dilma
certamente tem outras prioridades. Mas é bom que vá se acostumando com a
ideia de que, quando se trata do Congresso - as Mesas da Câmara e do
Senado serão trocadas dentro de semanas -, a situação nunca é tão ruim
que não possa piorar. A presidente corre o risco de sentir saudades de
José Sarney e de Marco Maia.
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