foto apenas e tão somente ilustrativa nada com o texto
Doença totalitária
Denis Lerrer Rosenfield
O Estado de S.Paulo -
A morte é o fim de um ciclo de vida individual, algo próprio da condição humana e animal em geral. No caso humano, ela é intensamente vivida sob a forma de uma angústia diante da finitude, o que dá ensejo a concepções religiosas prometendo outra forma de vida, a da beatitude diante de Deus. Estabelece-se assim, religiosamente, um nexo entre o finito e o infinito, o temporal e o eterno, mesmo sob o império do término das condições de vida terrenas.
No caso de
líderes totalitários, o dirigente-mor é investido de um manto de
eternidade, no qual se terminam identificando a sua pessoa física,
mortal, com a político-jurídica, avessa a qualquer forma de
temporalidade e finitude.
O
segredo é a forma dada a essa doença totalitária. Os "companheiros"
temem, antes de mais nada, a transparência, pois ela seria uma maneira
de tornar público o que está acontecendo. Dirigentes totalitários
abominam, sobretudo, a prestação pública de contas de suas ações, pois
execram a democracia baseada na liberdade de imprensa e dos meios de
comunicação, assim como o exercício de Poderes Legislativo e Judiciário
autônomos e independentes. A "Suprema" Corte venezuelana é "mínima",
sendo nada mais que uma porta-voz do supremo Hugo Chávez.
A
doença de Chávez é um exemplo particularmente elucidativo de sua
natureza totalitária. Acometido de câncer, optou pelo segredo de Estado e
por se tratar em Cuba, país sem nenhuma capacitação médica para esse
tipo de tratamento. Entre sua vida pessoal e a preservação do regime,
escolheu esta última. Diante da morte, seu maior medo é a prestação
pública aos cidadãos de seu país, que têm todo o direito de saber o que
está acontecendo com seu presidente.
Em vez
disso, os cidadãos venezuelanos e a opinião pública mundial têm direito
aos "comunicados" lidos por lideranças chavistas, que estão
comprometidas com a mentira, e não com a verdade. Acreditar nas
"informações" chavistas equivale a acreditar na existência de vida na
Lua.
A melhor analogia cabível no caso seria
compará-las com a doença - e morte - de Stalin, também tratada sob o
maior sigilo. Ademais, o líder soviético tinha tanto medo de sua morte,
digamos, política que os mais próximos, quando de sua última crise,
temiam chamar médicos e tocar no seu corpo. O maior segredo consistia na
doença do líder totalitário, considerado em sua "imortalidade" e
"onisciência".
Aliás, Stalin deve estar
ruborizado com a falta de tato de seus discípulos bolivarianos. Não
conseguem nem mesmo respeitar a Constituição por eles mesmos elaborada
nos mínimos detalhes. Fazem uma coisa e dizem outra, quando não dizem
coisas distintas e contraditórias entre si. Deve o finado líder
soviético estar pensando que bolchevismo em República de bananas não
pode mesmo dar certo!
Até para mentir eles
são incompetentes. Para justificar suas ações, suas aparições públicas
são equivalentes a uma ópera-bufa. Considerar, por exemplo, a posse do
presidente para novo mandato, na data aprazada, como uma mera
"formalidade" significa dizer que toda a Constituição é, na verdade, uma
mera formalidade. Formalidade essa que será seguida ou não conforme os
dirigentes totalitários assim o decidirem.
Nesse
contexto, a ida do assessor para Assuntos Internacionais da Presidência
da República brasileira a Cuba para se inteirar da saúde de Chávez e se
informar das condições de sua sucessão adicionou um toque de ridículo
ao que já é, de per si, hilariante. Voltou afirmando a
"constitucionalidade" da violação constitucional em curso na Venezuela.
Inteirar-se
da constitucionalidade de uma medida com Fidel e Raúl Castro e com o
vice-presidente venezuelano, Nicolás Maduro, equivale a diagnosticar uma
doença com curandeiros ou mágicos. Os irmãos Castro nem sabem o que
significa uma Constituição, têm um desconhecimento e desprezo total pelo
Estado Democrático de Direito. Os bolivarianos são seus pequenos
aprendizes, embora o dano causado por eles seja enorme. São pequenos em
estatura política e moral, porém grandes em seus malfeitos.
Por
muito menos o Paraguai foi suspenso do Mercosul, por não ter,
supostamente, obedecido à "cláusula democrática" em vigor no
correspondente tratado. Tal ação, liderada por Chávez e orquestrada por
Maduro, contou com todo o aval e o apoio do governo brasileiro.
Acontece
que, no caso paraguaio, a Constituição do país foi plenamente
respeitada, enquanto no venezuelano ela está sendo claramente pisoteada.
Por um mínimo de coerência, o Brasil deveria propor a suspensão da
Venezuela do Mercosul, visto o absoluto desrespeito à sua própria
Constituição. O que acontece, porém? O governo dá mais uma vez aval à
subversão democrática chavista.
Hugo Chávez
está entre a vida e a morte. Se constitucionalmente caberia estabelecer
se sua ausência é temporária ou permanente, tal diagnóstico só poderia
ser feito por uma junta médica independente e agindo por motivos
científicos. Em vez disso, temos os "comunicados" bolivarianos que usam a
mentira como instrumento de governo. Uma junta médica independente
poderia dar transparência a um processo político desse tipo. Contudo o
que mais temem os totalitários é a verdade.
Enquanto
isso, atabalhoadamente resolvem seus conflitos e disputas internas de
poder estabelecendo as condições de manutenção de um regime que vive da
figura de seu líder máximo. Ganham tempo tratando politicamente da
doença de Chávez. Dão um golpe na Constituição por eles mesmos elaborada
e tipicamente, seguindo a cartilha totalitária, acusam os outros de
estarem tramando um golpe.
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