Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Lei, seca lei

O álcool não é, de forma nenhuma, o maior responsável por esse Vietnã anual das estradas brasileiras.
Alguma coisa está errada na estrutura e na aplicação dessa lei, que trata igualmente os desiguais.

As leis sempre existiram para frear aqueles indivíduos com a bússola moral defeituosa. Para o cidadão moralmente são, as leis são inúteis, pois ele viveria normalmente sem elas e sem tampouco prejudicar ninguém.
Urge na atualidade a necessidade de se resolver problemas nevrálgicos com medidas contundentes de curto prazo, o que, à primeira vista, parece perfeitamente revestido de lógica. O que passa despercebido, como sempre nessas tentativas, é que, em alguns casos, essas medidas contundentes acabam por atingir aqueles que não precisavam ser atingidos e deixam escapar aqueles que deveriam.
A quantia enorme de mortes no trânsito a cada ano levou os brasileiros a aceitar de forma passiva leis abusivas que, à primeira vista, parecem ter vindo para diminuir o problema em foco, mas na verdade só servem para diminuir ainda mais as liberdades individuais e pouco, muito pouco resolvem aquilo que deveriam resolver. O álcool não é, de forma nenhuma, o maior responsável por esse Vietnã anual das estradas brasileiras. Os verdadeiros responsáveis são a imprudência, a negligência, e a imperícia. A combinação destes fatores, sim, é assassina. Mas, quando num caso de grande repercussão é constatada a presença do fator álcool, isso rapidamente se aplica a todos os milhares de ocorrências como se fizesse parte específica de cada uma. Aparvalhados com esses dados, os cidadãos passam a achar certo que lhe restrinjam ainda mais nos seus direitos individuais, dos quais constam dirigir sem ser parado e não ser obrigado a fazer testes sem ter dado motivo algum.
O aumento das mortes no trânsito nesse feriado de Natal em relação a 2011 foi grande em todo Brasil. Só no Sul 28 mortes (http://www.clicrbs.com.br/pioneiro/rs/impressa/11,3992216,499,21072,impressa.html) sendo que não se flagrou um caso sequer de alcoolemia nos motoristas envolvidos. Ao mesmo tempo, uma verdadeira enxurrada de motoristas que estavam conduzindo seus veículos de forma segura, são autuados todos os dias por uma ingerência mínima de álcool.
Acima do Equador, onde estão as nações que gostamos de denominar como ‘primeiro mundo’, há muito tempo que álcool e direção, combinação que pode causar danos a terceiros, são combatidos pelos governos sem leis que proíbem a ingestão de álcool de forma tão radical como a adotada aqui. Decididamente não há por lá a perseguição de todos os motoristas de forma geral e sem exceções. Ora, por que um motorista que dirige dentro das normas atuais regidas pelo Código Nacional de Trânsito, com seu veículo, bem como sua documentação pessoal, em dia, deve ser obrigado a fazer o teste de alcoolemia? Existem testes de natureza extremamente simples que podem constatar se o motorista tem as condições motoras e cognitivas necessárias para guiar. Por que não aplicar esses testes?
As forças de segurança deveriam direcionar seus recursos logísticos para identificar o motorista embriagado, aquele que dirige em zigue-zague, atropela, etc., que ao ser interpelado por um agente, não consegue concatenar uma frase com sentido lógico. Sobre esse deve-se fazer pesar a dureza da lei, não ao motorista que retorna para casa após ter jantado com a família e ingerido uma quantidade de álcool que nem de longe pode fazê-lo entrar no rol de motoristas irresponsáveis e que, como gostam de rotular os juristas, estão em “dolo eventual”, uma vez que assumiram o risco de matar alguém. Ora, quem após ingerir duas taças de vinho ou uma cerveja, estará pondo a vida de terceiros em risco? É de uma arbitrariedade ímpar tratar um motorista que ingeriu uma quantidade civilizada de álcool como um perigoso risco à sociedade. Esse motorista está fadado a sofrer uma sanção a partir do momento em que for parado por um fiscal de trânsito, não há escapatória. Se fizer o teste e for constatado que ingeriu, mesmo que muito pouco álcool, ficando dentro dos limites aceitáveis em qualquer parte do hemisfério norte, vai ter a carteira apreendida, pagará multa e responderá um processo administrativo. Se por acaso recusar-se a fazer o teste vai ter a carteira igualmente apreendida, pagará multa e responderá a processo. Não há distinção no tratamento. Ou será tratado como um bêbado perigoso, ou será tratado como um bêbado perigoso que não quer fazer o teste.
A partir de agora, o agente da lei terá o poder de decidir, através de um exame visual e quem sabe até através daqueles testes que já são aplicados há décadas nos EUA, se o condutor está ou não alcoolizado. Isso é ótimo. É uma boa maneira de driblar a negativa dos motoristas realmente bêbados em fazer o teste. Nada de errado nisso. Mas por que o agente de trânsito não pode usar esse mesmo discernimento, o que o faz constatar que o indivíduo não tem condições de dirigir, para chegar à conclusão de que um motorista que até tenha bebido um pouco, tem plenas condições de chegar em casa sem botar a vida de ninguém em risco? O mesmo poder que serve para declarar que um motorista não tem condições de dirigir, obrigatoriamente tem que servir para atestar que um motorista que embora tenha ingerido alguma quantidade de álcool, pode dirigir, pois não demonstra estar com suas habilidades comprometidas.                                                   
O bêbado irresponsável e perigoso, aquele para qual as leis foram feitas e que nunca irá respeitá-las mesmo assim, justamente por ter a formação moral degenerada, é conduzido a uma delegacia onde faz o famoso teste do bafômetro que afere quantias estratosféricas de álcool, em seguida paga uma fiança miserável e é prontamente liberado. Alguma coisa está errada na estrutura e na aplicação dessa lei, que trata igualmente os desiguais. Acaba se tornando uma lei seca, seca de conteúdo, seca daquilo que mais se espera em qualquer pena que seja aplicada: a proporcionalidade. 

Valter Heller Dani é policial civil.

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