Cinco anos atrás, leitores amigos, imaginar Renan Calheiros voltando a
presidir o Senado com o voto de seus colegas seria algo impensável.
Costumo falar com meus botões. Eles estão sempre disponíveis e são muito bons ouvintes. Sobretudo os de quatro furos. Os de dois furos são mais desatentos e só resolvem dar sinais de sua existência quando estão pendurados por um fio. Pois bem, quando soube que Renan Calheiros aprumava-se para disputar a presidência do Senado Federal, com amplo apoio da base governista, eu falei aos meus botões: "Este país não tem mais jeito. Entramos em downgrade moral".
Talvez
o leitor destas linhas não lembre quem é Renan Calheiros, mas os
membros da Casa conhecem sua biografia. Renan foi o escândalo nacional
de 2007 a partir de uma denúncia da revista Veja, em maio daquele ano.
Renan tivera uma filha com a jornalista Mônica Veloso e uma empreiteira
pagava a ela vultosa pensão mensal. A partir daí, iniciou-se o que ficou
conhecido como Renangate. Durante meses, sucederam-se apurações e
investigações envolvendo os negócios do então presidente do Senado
Federal. As denúncias incluíam o uso de "laranjas" para dissimular a
compra de veículos de comunicação em Alagoas, a venda fictícia de quase
duas mil cabeças de gado para empresas frias, com notas fiscais geladas,
num período em que Alagoas estava com as fronteiras fechadas para o
transporte de gado em virtude de um surto de aftosa, e por aí afora. De
maio a setembro de 2007, Renan foi o assunto preferido das manchetes. A
12 de setembro, em sessão secreta, o Senado votou proposta para a
decretar a perda de seu mandato. Todos os senadores compareceram à
sessão. Renan safou-se por uma diferença de seis votos.
Seu
inferno astral, contudo, prosseguiu. À medida que avançavam as
investigações da imprensa e se desnudavam as artimanhas usadas para
justificar o injustificável, aumentou a pressão da opinião pública.
Quanto mais Renan explicava, mais se enrolava. Sua permanência no
comando da mesa dos trabalhos constrangia e afrontava o decoro de todos
os membros do poder (alguns, ao menos, diziam isso). Por fim, ele se
licenciou da presidência por 45 dias e, logo após, renunciou ao posto,
mantendo o mandato. Cinco anos atrás, leitores amigos, imaginar Renan
Calheiros voltando a presidir o Senado com o voto de seus colegas seria
algo impensável. E se eventualmente fosse pensado, como produto de algum
delírio, seria uma ideia impronunciável.
Em 2010, com esse
destacado currículo, Renan conservou a cadeira, sendo reeleito como
representante de Alagoas, perfilando-se na base do governo ao lado do
intrépido Fernando Collor (nascido no Rio de Janeiro, mas senador por
Alagoas). A ousadia da máfia que maneja os cordéis da República não
encontra limites. Não se trata, aqui, de saber se, quando, nem como, as
muitas e consistentes denúncias que envolviam a figura do senador
acabaram num picador de papéis em diferentes órgãos de investigação e
controle do país. Trata-se de entender que só pode haver um motivo para
essa absolvição pelo silêncio, sob o manto protetor do tempo. E esse
motivo é o mesmo que agora pretende guindá-lo ao posto mais alto da
nossa Câmara Alta: comprometimento com um tenebroso projeto de poder que
cravou as unhas no lombo de uma nação que aceita ser jumento de carga
dos bandoleiros da política que nela se instalaram.
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