Helena Chagas Com Blog do Noblat - O Globo
Na primeira semana, Michel Temer tratou da sobrevivência. Nomeou uma
equipe econômica reluzente, com chances de resgatar a confiança perdida
na economia. Empossou um ministério opaco, uma babel de políticos
adeptos do toma-lá-dá-cá, mas que, até por isso, lhe dá maioria
congressual para aprovar reformas e confirmar o impeachment de Dilma
Rousseff. A grande dúvida hoje em relação ao governo Temer é sobre o
impacto no país do cavalo-de-pau administrativo e ideológico que já se
fez sentir nos primeiros dias.
O mesmo ministério que garante apoio a Temer no Legislativo tem armado
grandes confusões, com tropeços em declarações, falta de conhecimento e
afinidade com as pastas e guinadas decisórias.
Tudo isso, aliado à pressa para ocupar os cargos e desmantelar a máquina
petista instalada há 13 anos, vem provocando um enorme barata-voa na
Esplanada.
Do ponto de vista ideológico, é evidente que não se trata de mera
inflexão rumo ao centro, como seria razoável esperar de um governo do
moderado peemedebista Michel Temer. Vai ficando claro, a cada movimento,
que se trata mesmo de uma guinada à direita, que terá conseqüências
profundas nas ações e programas do governo.
Quando diz que o SUS deve ser repensado e reduzido porque não há
recursos para garantir a universalização do atendimento garantido pela
Constituição, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, expressa a posição de
um setor. Ainda que tenha recuado nas afirmações, ele pensa assim e
dificilmente agirá ao arrepio de suas convicções – opostas às do grupo
que geriu a Saúde nos últimos 13 anos.
Também na área social há mudança radical de enfoque, clara já nas
primeiras declarações do ministro Osmar Terra sobre estudos que podem
reduzir o número de beneficiários do Bolsa Família.
Acusados pela presidente afastada Dilma Rousseff de querer exterminar
benefícios e conquistas sociais dos governos petistas,Temer e auxiliares
prometeram manter esses programas. Só não disseram como, e os primeiros
passos da nova gestão mostram que muita coisa vai ficar diferente – e
não só nessa área.
O ministro da Justiça, Alexandre Moraes, arrepiou os cabelos do
Ministério Público ao dizer que poderia rever o critério de nomear para a
PGR o mais votado pela categoria. Foi ostensivamente desmentido por
Temer no dia seguinte, mas não deixará de ser o que é. Muita coisa vai
mudar por ali, a começar pela tolerância petista com invasões e
manifestações sociais.
Da mesma forma, o ministro das Cidades, o tucano Bruno Araújo, assumiu e
revogou ordem para construção de 11 mil casas do Minha Casa Minha Vida
mediante convênio com entidades do setor de habitação. Sem entrar no
mérito da decisão, é uma mudança que aponta para o fim da parceria do
governo com ONGs e outras entidades que nos últimos anos estiveram
dentro da administração federal – para o bem e para o mal.
Também o Itamaraty passa por uma guinada, justificada por aliados do
ministro José Serra como uma “desideologização” da política externa. O
novo chanceler – um dos poucos ministros de Temer que tem luz própria -
mostrou a que veio no primeiro dia, no enfrentamento com os países
bolivarianos que criticaram o impeachment brasileiro. E mais virá.
Nesses primeiros tempos, mudanças reais de posição nos diversos temas da
administração federal, que podem vir a se revelar sólidas e
consistentes, têm se confundido com gafes e tropeços verbais dos novos
ministros. Não é possível saber ainda qual é qual, o que vai vingar e o
que vai entrar no anedotário do festival de besteiras.
Mas há erros e precipitações inegáveis, com a digital do próprio Temer,
como a extinção do Ministério da Cultura, que conflagrou o setor – e
poderá ser revista nos próximos dias – e a semi-corrigida ausência de
mulheres no primeiro escalão. A pressa nas demissões para expulsar os
petistas da Esplanada também cobrará seu preço. Setores ligados à
comunicação pública, por exemplo, também estão em pé-de-guerra depois da
demissão brusca do presidente da EBC – que o novo governo tem o direito
de fazer, mas que poderia ter sido melhor negociada.
Chega a ser espantoso que o governo do cordato e cauteloso Temer tenha
comprado tantas brigas e aberto um número tão grande de frentes de
batalha. Não é do seu feitio. Talvez se possa atribuir tais atitudes a
uma visão pouco atualizada da sociedade brasileira, que nos últimos dez
ou quinze anos passou por grandes e complexas mudanças.
Temos uma cidadania mais consciente e organizada na vigilância do poder
público e nas cobranças por melhores respostas e serviços. Será um
engano acreditar que as reações da sociedade à guinada do governo - no
sentido contrário ao programa eleito em 2014 - virão apenas de
militantes e movimentos controlados pelo PT.
Com apenas uma semana de interinidade na presidência, Temer ainda tem
tempo de puxar as rédeas, corrigir o rumo e se reconciliar com uma parte
da sociedade. Pode depender disso o sucesso ou o fracasso de seu
governo.
extraídaderota2014blogspot
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