por Vitor Hugo Soares Com Blog do Noblat - O Globo
"A situação está cínica / os mais pior vai pras Crínicas"
Adoniran Barbosa, no antológico "Samba no Bixiga".
Estamos às vésperas de um carnaval de crise braba: tenso e estressado
sim, mas jornalisticamente animado, atraente, relevante e referencial -
como raramente (ou jamais) se viu por estas bandas do Atlântico Sul. A
folia começa a chegar às ruas (em Salvador e no Rio de Janeiro,
principalmente), mas o País e a sociedade seguem vidrados e embalados no
passo ágil, decidido e cada vez mais surpreendente, ditado de Curitiba
pela batuta do juiz Sérgio Moro, no comando da Lava Jato.
Na quarta-feira (27), por exemplo, amanheceu desfilando em várias
cidades, o inesperado Triplo X, bloco novo (extensão do original
curitibano), compacto e com todas as suas alas bem afinadas. Indiferente
aos alaridos e ameaças do "manifesto" do criminalista Kakay, subscrito
por pouco mais de 100 colegas advogados. Ridículo espantalho gestado na
barriga dos grandolas envolvidos no Petrolão, maior escândalo de
corrupção da história do Brasil. Responsável por esfrangalhar a
credibilidade e praticamente deixar de tanga (para usar metáfora
carnavalesca) a Petrobras.
No meio da farra acontece de tudo. Até mesmo o que para outras
repúblicas e outras culturas possa parecer inimaginável. A exemplo da
utilização de máquinas picotadoras de papel (clandestinamente e operando
a plena carga dia e noite) para destruir documentos com prováveis
indícios e provas (suspeita a PF) de estranhas e vergonhosas transações
realizadas, à sombra do poder político e administrativo instalado no
país há mais de 12 anos, em conluio com negociantes e seus operadores
(vários já presos e condenados) que misturam público e privado sem o
menor pudor.
No
bojo das informações da Polícia Federal, na quarta-feira (27), sobre a
deflagração da vigésima segunda etapa da Lava Jato, surgiram os
espantosos áudios da conversa telefônica, grampeada com autorização da
Justiça, do empresário Ademir Awada com a filha Carolina (a Carol),
sobre o "trabalho pesado" dos dois na destruição de documentos. Um
diálogo digno de "Histórias de Cronópios e Famas", o genial livro de
contos surrealistas do argentino Julio Cortazar.
Tudo se dá em meio às mais deslavadas e francas "conversas de família".
Aí são tramadas e executadas as maiores e piores patifarias, misturadas
com prosaicas e aparentemente inocentes trocas de afetos, preocupações
familiares ou pedido de compras de shortinhos, macacões, vestidos e de
"uma garrafinha" de vinho especial.
Em um trecho da conversa (que a mãe também escuta em uma extensão do
telefone), a filha confessa suas atribulações com a demora em conseguir
reativar uma máquina, na qual ela "trabalhava em casa e que parou de
funcionar de repente em função da sobrecarga”. O pai conta, da outra
ponta da linha, que quase ocorreu o mesmo problema com ele, "ao triturar
aquela mala cheia de documentos, filha!”.
Awada, com mandado de prisão expedido pela Justiça, era um dos
procurados pelos agentes da PF na Operação Triplo X, cujo alvo é
investigar suspeitos de abrir empresas offshores e contas no exterior,
para ocultar e disfarçar o crime de corrupção com pagamento de propina. O
empresário estava fora do Brasil na hora das "batidas" (sem o japones
da Federal) na quarta-feira. Visitava o Panamá, onde operam as maiores
"lavanderias" internacionais do setor offshore. Retornou na quinta-feira
e foi direto para Curitiba, onde se entregou e está preso.
Seguramente tem muito a contar sobre suas ações e suas máquinas de moer
documentos. O juiz Moro e a PF suspeitam, seriamente, de que unidades
imobiliárias da Bancoop/OAS foram utilizadas para repasse de propina, no
megaesquema de corrupção instalado na Petrobras. Um dos apartamentos
está no nome da empresa Murray, uma offshore aberta pela Mossak. Uma
linha de investigação, revela o jornal espanhol El Pais, "aponta que o
esquema ocultava os reais donos das offshores".
As unidades investigadas ficam em condomínio no Guaruja, de construção
iniciada pela Banccop (a cooperativa dos bancários já presidida pelo
ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, preso pela Lava Jato), antes de
passar ao controle da empreiteira OAS. As investigações apontam que um
dos apartamentos pertence à OAS (o Triplex), que depois de regiamente
reformado e com elevador privado, seria destinado à família do
ex-presidente.
O próprio Lula e a ex-primeira dama, Dona Marisa, foram vistos em
visitas por lá, mais de uma vez, segundo confirmaram uma empregada e o
porteiro do condomínio, em depoimentos arrasadores ao Jornal Nacional,
na quinta-feira. O Instituto Lula e o ex-presidente negam propriedade e
presenças no Triplex do Guarujá. "Amaldiçoado seja quem pensar mal
dessas coisas", diriam os franceses com ironia.
"Você queira ou não queira, nêgo, nêga / o Carnaval chegou", como no
frevo de Caetano Veloso. O fato é que a nova etapa da Lava Jato jogou de
vez o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva na folia deste Carnaval
de 2016 e do maior escândalo da história do Brasil. A conferir.
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