JOÃO PEREIRA COUTINHO Folha de SP
Quando li o nome dos indicados, confesso que não pensei no assunto. Quando começaram a surgir as primeiras críticas, limitei-me a fazer a mesma pergunta que a atriz Charlotte Rampling (indicada ao Oscar por um papel notável no bergmaniano "45 Anos") partilhou com uma rádio francesa: e se os desempenhos dos atores negros não atingiram em 2015 certos patamares de excelência?
Heresia. Se não existem negros na corrida, isso demonstra o intrínseco racismo de Hollywood, que persiste em desprezar as minorias. A solução passa pelo boicote à cerimônia.
Respeito a indignação dos simples. Mas, depois da indignação, talvez não fosse inútil olhar para alguns fatos. A revista "The Economist" fez o trabalho duro e chegou a uma conclusão severa: o número de atores negros indicados ao Oscar durante o presente século está em sintonia com o número de negros que compõem a sociedade americana.
Se os negros, demograficamente falando, constituem 12,6% dos habitantes do país, a verdade é que tiveram 10% das indicações ao Oscar de interpretação nos últimos 15 anos.
Se existem minorias sub-representadas na conta final, são os hispânicos, e não os negros, os verdadeiros perdedores: representam 16% da população geral —e apenas contam para 3% das indicações ao Oscar em igual período.
Claro que, para a "Economist", a existência de discriminação não estará na Academia propriamente dita, embora a composição dos membros (6.000, dos quais 94% são brancos) deveria ter acompanhado a evolução demográfica da nação.
A discriminação, a existir, está nas escolas de formação dramática e nas agências de casting. Mais números: o Screen Actors Guild (ou, para facilitarmos o latim, o sindicato de atores) é majoritariamente composto de brancos (70%), o que reflete bem a cor da pele dos profissionais que saem das escolas dramáticas.
Além disso, e em matéria de "top roles" (papéis principais), só 15% das minorias (hispânicos, negros, asiáticos etc.) estrelaram os filmes desde o início do século.
Agradeço os números. Mas, em relação a eles, confesso dúvidas. Será assim tão bizarro que 70% do sindicato de atores seja composto de brancos —quando, escusado será dizer, os Estados Unidos são uma nação majoritariamente branca (acima dos 63%)?
Em relação aos "top roles", é um fato que as minorias só conseguiram 15% dos papéis principais, o que se traduziu em 15% das indicações ao Oscar e 17% das vitórias.
Mas, ao mesmo tempo, os atores negros estão sobrerrepresentados nessa cota:
eles ocupam 9% dos "top roles", com 10% das indicações ao Oscar e 15% das vitórias. Se alguém merece protestar na noite do Oscar, não são os negros. São os hispânicos, os asiáticos e, convém não esquecer, os povos nativos.
Seja como for, os delírios do pensamento politicamente correto sempre foram imunes à realidade. E a Academia já prometeu repensar as indicações ao Oscar de interpretação. Exemplo: será razoável indicar cinco atores quando é possível estender o manto para dez?
Boa pergunta. Imperiosa resposta: por que motivo ficamos nos dez e não avançamos imediatamente para 50? Ou cem? Ou até 500?
Aliás, para evitar qualquer discriminação, a Academia deveria indicar todos os atores que trabalharam no ano anterior, o que permitiria não esquecer ninguém e incluir todo o mundo.
Naturalmente que um esquema radicalmente igualitário como esse poderia inaugurar novas polêmicas: como falar de igualdade quando 70% dos atores continuariam sendo brancos?
Talvez a única solução seja estabelecer limites para o número de atores brancos que podem atuar em filmes.
Os restantes, se quisessem continuar em jogo, poderiam sempre pintar o rosto com graxa e imitar, no fundo, uma prática corrente da Hollywood primitiva: o "black face".
O que não deixaria de ser irônico: nas primeiras décadas do século passado, o "black face" era a suprema forma de exclusão e racismo.
Em 2016, pode ser a solução perfeita para o equilíbrio dermatológico perfeito.
EXTRAÍDADEAVARANDABLOGSPOT
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