Folha de São Paulo por Alexandre Schwartsman
Uma crítica comum à aplicação do regime de metas para a inflação no
Brasil refere-se à "insistência no ano-calendário", isto é, à
necessidade de atingir a meta no final de um ano, em vez de se
concentrar em períodos mais longos, faltando-lhe "paciência". Sempre que
vejo esse comentário me ponho a pensar: em que planeta vive quem afirma
tal atrocidade?
Não é sequer necessário lembrar que o BC não entrega a inflação na meta
desde 2009; basta notar que há cerca de um ano o BC prometeu
convergência para o final de 2016, prazo devidamente prorrogado para
2017. Ano-calendário onde, cara-pálida?
Isto dito, elevar o prazo de convergência da inflação à meta não é
necessariamente errado, mas, se há benefícios nessa estratégia, há
também custos, e a decisão requer que ambos sejam considerados, posição
que geralmente escapa ao pessoal do espaço sideral.
Digamos, por exemplo, que, dado um desvio muito significativo da
inflação, o BC decida esticar o período de convergência de um ano para
três. Para facilitar, suponhamos que a inflação inicial seja 9%, a meta,
3%, e que o BC decida reduzir a inflação em 2% a cada ano. Assim, o
objetivo no primeiro ano seria 7%, caindo para 5% no segundo e,
finalmente, 3%.
Mantendo as coisas simples, vamos também supor que as expectativas de
inflação se ajustem a essa trajetória. Assim, a expectativa para o
primeiro ano seria o equivalente a 2/3 da inflação passada (6%) e 1/3 da
meta (1%), isto é, 7%.
Já se o BC decidisse por um período de convergência de seis anos (1% por
ano), ainda supondo credibilidade, as expectativas seriam 5/6 da
inflação passada (7,5%) e 1/6 da meta (0,5%), isto é, 8%.
Assim, quanto mais extenso for o período de convergência, tanto maior
será o peso dado à inflação passada na formação de expectativas, ou
seja, mais indexada se torna a economia.
Concretamente, esse processo deve ser uma das razões (se não a
principal) para a resistência crescente da inflação à queda. Quanto mais
os reajustes de salários e preços se baseiam na inflação passada, mais
persistente se torna a inflação e mais custosa, do ponto de vista de
desemprego e queda do produto, passa a ser sua redução.
Isso coloca o BC diante de um dilema. Caso tente reverter o processo,
optando pela convergência mais rápida, terá de pagar um custo, em termos
de atividade econômica, maior do que pagaria se mantivesse a estratégia
de queda lenta da inflação, a menos que consiga convencer a todos de
que, como a convergência será rápida, não será mais necessário reajustar
preços e salários com base na inflação passada.
Por outro lado, agentes sabem que o BC, dado seu passado, se preocupa
com os custos da desinflação e estaria propenso, de forma oportunista, a
estender o período de convergência mesmo se todos passassem a crer que a
inflação cairia rapidamente.
Nesse caso, simplesmente não acreditariam em promessas de convergência
rápida e seguiriam reajustando preços e salários com base na inflação
passada.
Incapaz, portanto, de se comprometer com a queda rápida da inflação, só
resta ao BC seguir com a estratégia gradualista. Isso torna o combate
mais difícil hoje do que era no passado e será ainda mais complicado
quanto mais demorarmos em tratá-lo.
O BC se colocou na ratoeira e não faz ideia de como escapar dela.
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