Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

"O rumo do BC",

 por Demétrio Magnoli Folha de São Paulo

Diante da Grande Depressão e do túnel da deflação, John Keynes explicou que o remédio estava numa ativa intervenção estatal, produzindo demanda por meio de políticas monetárias e fiscais expansionistas. Os keynesianismos de araque do PT e seus arredores traduziram perversamente a lição, concluindo que a geração estatal de demanda é uma varinha mágica capaz de provocar o desenvolvimento econômico. Por isso, falam sem parar em "vontade política" mas jamais em competitividade e produtividade. O Banco Central (BC) tem um rumo, ao contrário do que se imagina. Ele alinhou a política monetária às crenças ideológicas do PT, restaurando nossa crônica inflação inercial.
Durante anos, os keynesianos de araque clamaram por um pouco mais de inflação. O BC não entrega a inflação na meta desde 2009. No primeiro mandato de Dilma, obedecendo ao comando do Planalto, Alexandre Tombini promoveu cortes arbitrários da Selic que, associados às iniciativas populistas de controle de preços administrados (combustíveis e energia) e à farra de financiamentos do BNDES aos "empresários companheiros", dissolveram os pilares da estabilidade macroeconômica e, de quebra, minaram a credibilidade do BC. A inflação de dois dígitos, elemento quase surreal na paisagem de uma aguda depressão, é o fruto da aplicação de uma tese. Na dúvida, basta olhar para sul e norte: Argentina e Venezuela.
A agulha da bússola do BC perdeu sua precisão ideológica na dramática inauguração do segundo mandato de Dilma, sob o impacto da convocação de Joaquim Levy e da proclamação do ajuste fiscal. Tombini anunciou, então, que pressionaria a inflação a ajustar-se à meta no horizonte de 2016 para, depois, adiar o compromisso até o final de 2017. O sucesso da campanha lulopetista contra Levy, que deflagrou o movimento de pressão sobre Tombini, recolocou a agulha no rumo anterior. O presidente do BC, que preza seu cargo acima de tudo, trocou de registro num intervalo de semanas, usando o pretexto ridículo da revisão de projeções do FMI para renunciar abruptamente à sinalização de aperto nos juros.
Impulsionada pelos caos fiscal e pela deterioração das expectativas, a inflação já parece imune ao nível da taxa de juros. Nesse quadro, elevar a Selic produziria apenas maior retração na atividade econômica, agravando o cenário fiscal. Havia, portanto, motivos consistentes para interromper a marcha do aperto monetário, como se fez. Contudo, a reviravolta discursiva de Tombini tem implicações num terreno diferente: depois dela, a palavra do BC vale menos que uma ação da Petrobras. Isso significa que os keynesianos de araque triunfaram. De novo, como nos tempos gloriosos de Guido Mantega, a fixação da taxa Selic passa a depender da "luta política" –ou, mais precisamente, da "vontade política" do governo.
Dos três pilares da estabilidade legados pelo Plano Real, dois já caíram por terra. 
As escaladas do deficit e da dívida tragaram o equilíbrio fiscal. A desmoralização do BC destruiu a política de metas de inflação. Sobrou o câmbio flutuante que, sem o apoio dos demais pilares, opera quase exclusivamente como termômetro do grau de degradação geral da economia. A disparada do dólar veicula mensagens agourentas sobre o Brasil. Além da certeza numa extensa depressão, ela indica que já não é seguro descartar a hipótese de uma destrutiva fuga de capitais.
Quanto pior, pior. Sitiado pelo descrédito político, acossado pela sucessão de revelações da Lava Jato, acuado por um insensato pedido de impeachment, o governo cede mais terreno aos ideólogos que nada aprenderam com as experiências da Argentina e da Venezuela. As condições objetivas impedem um retorno à economia do crédito, do subsídio e da dívida. Mas, do ponto de vista deles, sempre restará o caminho do desvario: controles de capitais, câmbio e preços.
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