MERVAL PEREIRA O GLOBO
Esse pacote de Natal oferecido pela Presidente Dilma às empresas envolvidas na operação Lava Jato suscita controvérsias, salienta o jurista, ao não incluir o Ministério Público como ator obrigatório nos acordos de leniência, e sim meramente facultativo, e ao deixar de fora do jogo o Tribunal de Contas da União (TCU).
“Não se imagina em que medida autoridades administrativas conseguirão avaliar a magnitude e a relevância de informações para as investigações, quando se sabe que o titular das investigações criminais e nas ações de improbidade é, majoritariamente, o Ministério Público, peça que não poderia ser facultativa nesses instrumentos”, explica Medina Osório.
A ausência dos Tribunais de Contas, especialmente do TCU, é outro fator que inspira desconfiança. A falta de obrigatoriedade de regulamentação nos Municípios, tal como sugerido na Medida Provisória, é outro fator digno de nota, diz ele, argumentando que “não se pode simplesmente delegar ao Ministério Público dos Estados a tarefa de tocar processos administrativos com os chefes dos Poderes Executivos dos Estados e Municípios”.
Os aparentes vícios de inconstitucionalidades que marcam a medida provisória deixam exposta a fragilidade jurídica da Presidente Dilma Rousseff, comenta o jurista, afirmando que “é certo que paira, atualmente, enorme temor relativamente à independência e autonomia das autoridades administrativas ligadas ao Poder Executivo, o qual está impregnado por corrupção sistêmica. Qualquer iniciativa do Governo Federal, marcado por suspeitas e negociatas, inspira cuidados, pois sua legitimidade está posta à prova na sociedade brasileira”.
Medina Osório acha que as empresas que vierem a celebrar acordos de leniência “estarão sob o olhar atento da sociedade brasileira, e sua agenda de segurança jurídica não estará garantida”. Além do mais, se a medida provisória não for aprovada pelo Congresso dentro do prazo legal, os acordos firmados estarão ameaçados.
O Brasil foi um dos últimos três países, dentre os signatários da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a editar uma lei anticorrupção, e o fez em meio a ambiente de alta turbulência política, já envolvido em escândalos de grande repercussão, das manifestações de junho de 2013.
A Lei Anticorrupção brasileira (Lei 12.8846/13) veio para punir pessoas jurídicas corruptoras, dispondo sobre sua responsabilização objetiva, nas esferas administrativa e judicial, pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Segundo Medina Osório “o Governo Federal sempre foi omisso em relação ao combate à corrupção das pessoas jurídicas, e ingressou nessa agenda por pressão popular”.
Mas nem tudo está errado, salienta o jurista. O acordo de leniência celebrado com a participação da Advocacia Pública e em conjunto com o Ministério Público impede o ajuizamento ou o prosseguimento da ação já ajuizada por qualquer dos legitimados às ações de improbidade administrativa e empresarial, o que, na visão de Medina Osório, é um dado positivo, pois estimula a participação de novos personagens na mesa de negociações, ainda que chame a atenção a exclusão dos Tribunais de Contas.
“O atual cenário inviabilizava os acordos de leniência, pois as empresas não tinham garantias no sentido de que, ao ajustar sua conduta com um determinado ente político, teriam imunidades frente a outros atores”, diz o jurista.
Medina Osório salienta que deve ser separada a pessoa jurídica que atua como mero instrumento de organização criminosa, para ocultar ativos e dissimular interesses, daquela que apenas transitoriamente serviu a propósitos obscuros ou ilícitos de dirigentes.
“O Direito administrativo sancionador consubstanciado na Lei 12.846/13 exige que as empresas cooperem com as autoridades públicas, investiguem os ilícitos e ostentem estruturas internas independentes e efetivas na apuração de infrações. As empresas não devem usar o compliance como fórmula de mera blindagem de responsabilidade de seus dirigentes, mas sim como ferramentas de investigação privada de ilícitos e prevenção efetiva de infrações”, sinaliza Medina Osório.
Com se vê, a questão é bem mais complexa do que sugere a presidente Dilma, que vive repetindo que “deve-se punir o CPF, não o CNPJ”, indicando que as empresas devem ser preservadas por gerarem empregos e estimular a economia, e os executivos envolvidos devem ser punidos. Como se as empresas, de maneira geral, não tivessem culpa no cartório.
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