por Ruy Castro Folha de São Paulo
Uma velha queixa dos espíritos de porco, como eu, sobre a inconveniência
de ler jornal numa tela de computador referia-se à impossibilidade de
levar o bicho para o banheiro, o banco da praça ou a praia. Mas isso era
no tempo em que o computador pesava 30 quilos, exigia manivela e ficava
atrelado a uma mesa. Com os smartphones, o jornal está dentro deles e
pode-se levá-los para o banheiro, a rua ou qualquer lugar.
Algumas virtudes do jornal de papel, no entanto, pareciam impossíveis de
replicar. Como o gesto de abri-lo com os dois braços, e as gloriosas
páginas duplas nos saltarem aos olhos, com sua combinação de manchetes e
manchetinhas, textos curtos e longos, fotos, gráficos e anúncios que
nos davam a sensação de pertencer ao mundo – algo que a telinha de três
polegadas nunca poderia reproduzir.
Sim, sei bem que, com os smartphones, o sujeito, em vez de ler o jornal
todo dia, pode agora, se quiser, ler jornal o dia todo – sua agilidade
para acompanhar os fatos e dar as notícias não tem equivalente. Pode
também ler não apenas o seu jornal favorito ou o da sua cidade, mas
todos pelos quais se interessar, da Folha ao "Shinbone Star" ou o
"Figaro-Pravda". Mas o jornal em papel ainda tinha outra exclusividade.
Depois de lido, relido e exaurido, ganhava uma linda sobrevida: ia
embrulhar peixe na feira ou forrar a gaiola do papagaio.
Não mais. Um fabricante de eletrônicos acaba de apresentar nos EUA a
tela de TV que pode ser enrolada como um jornal. É um painel de diodo
orgânico, seja o que for isso, de 18 polegadas, capaz de ser dobrado,
enfiado no bolso do paletó e lido em pé no ônibus. E, talvez, também de
forrar a gaiola ou embrulhar o peixe.
Mas ainda não é o fim. Sempre restará ao jornal de papel uma função
impossível para essa TV dobrável: matar a barata no banheiro.
extraídaderota2014blogspot
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