por Gil Castello Branco O Globo
São quase cem mil cargos, funções de confiança e gratificações existentes apenas no Poder Executivo federal
Na semana passada, a piada em Brasília era que se Dilma submetesse Os
Dez Mandamentos ao Congresso Nacional, a proposta seria retalhada, e as
despesas do céu iriam aumentar. Como Renan Calheiros repentinamente
passou de incendiário a bombeiro, o fogo abaixou. Resta saber se a
“Agenda Brasil”, proposta por Renan, é apenas espuma, como dito por
Eduardo Cunha, seu colega no PMDB e na Lava-Jato.
Espuma ou não, o “pacote Renan” deveria incluir outros temas. Como
exemplo, incorporar as dez medidas contra a corrupção propostas pelo
Ministério Público Federal, que serão apresentadas como projeto de
iniciativa popular. Caso o Congresso Nacional as adotasse, não
precisaríamos colher 1,5 milhão de assinaturas. Na mesma linha, Renan
poderia agilizar a tramitação de mais de 500 projetos de lei
relacionados ao combate à corrupção, muitos dos quais engavetados há
anos no Legislativo.
Também fez falta a redução dos 39 ministérios, como sugeriu o próprio
Renan na sua (curta) fase oposicionista. A reforma administrativa
deveria começar na Presidência da República (PR), que em março passado,
tinha exatos 18.388 servidores. Para prestigiar algumas áreas ou para
saciar a fome de cargos dos políticos, a PR inchou em quantidade de
órgãos e funcionários. Dentro da PR estão nada menos do que nove
ministros!
Conforme boletim do Planejamento, a quantidade de servidores da
Presidência engloba a Vice-Presidência, a Controladoria-Geral da União, a
Advocacia Geral da União, a Agência Brasileira de Inteligência e todas
as secretarias com status de ministério: Aviação Civil, Portos, Promoção
da Igualdade Racial, Micro e Pequenas Empresas, Assuntos Estratégicos,
Relações Institucionais, Direitos Humanos, e de Políticas para
Mulheres.
Também integram a estrutura da PR a Agência Nacional de Aviação Civil e a
Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Uma eventual reunião dos
18.388 servidores da PR no Rio de Janeiro teria que ser realizada no
Maracanãzinho.
O ginásio, porém, não seria suficiente para sediar reunião de todos os
funcionários públicos federais lotados no Rio de Janeiro. Aliás, diga-se
de passagem, nem o Maracanã, que após as reformas só pode abrigar
78.838 pessoas. Acreditem ou não, apesar de a capital ter sido
transferida para Brasília há 55 anos, no Rio estão lotados 102.623
servidores públicos federais ativos do Poder Executivo. No Distrito
Federal são 70.251.
Outra curiosidade são os quase cem mil cargos, funções de confiança e
gratificações existentes apenas no Poder Executivo federal. Como o
número atual é de 99.850, em breve chegaremos à marca histórica,
provavelmente recorde mundial. Somente os chamados cargos de Direção e
Assessoramento Superior (DAS) somam 22.559.
Tanto a quantidade de servidores como as “comissões” cresceram
significativamente nos últimos anos. De 2002 para cá, foram quase 130
mil servidores federais civis a mais e cerca de 30 mil novos cargos,
funções de confiança e gratificações. Ainda que as despesas com pessoal
em relação ao PIB tenham diminuído, a tribo cresceu, em número de índios
e caciques, sem que os serviços públicos tenham melhorado.
Há muitos anos o Estado não é repensado. Na década de 30, Getúlio criou o
Dasp para incorporar o “fordismo” à administração pública. Anos depois,
Hélio Beltrão preocupou-se com a burocracia e o respeito ao cidadão. O
economista Bresser Pereira, apesar de contestado, também trouxe o
assunto à tona. Entretanto, a fusão do Ministério da Administração e
Reforma do Estado com o do Planejamento não surtiu efeito, pois as
questões administrativas perderam relevância. No dia a dia, os cortes
orçamentários e a questão fiscal se sobrepõem à discussão sobre o
Estado. Assim, inexiste debate sobre como redimensionar ministérios,
autarquias, fundações, agências reguladoras, conselhos e comissões, bem
como sobre a privatização de estatais e subsidiárias.
Além da “pauta Renan”, urge enxugar a máquina pública e aprovar medidas
eficazes para o combate à corrupção, o nosso mal maior. As propostas do
MPF tratam de prevenção, aceleração dos processos judiciais, recuperação
de recursos, eliminação de brechas por onde escapam os bandidos de
colarinho branco, redução das prescrições e agravamento das penas,
inclusive aos partidos políticos.
Enfim, é difícil dizer se todos Os Dez Mandamentos seriam aprovados no
Congresso Nacional. No momento, entretanto, o que parece mais importante
para a sociedade brasileira é o sétimo: Não roubar!
Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas
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