Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

"A casa da mãe Dilma",

por Gil Castello Branco  O Globo

São quase cem mil cargos, funções de confiança e gratificações existentes apenas no Poder Executivo federal


Na semana passada, a piada em Brasília era que se Dilma submetesse Os Dez Mandamentos ao Congresso Nacional, a proposta seria retalhada, e as despesas do céu iriam aumentar. Como Renan Calheiros repentinamente passou de incendiário a bombeiro, o fogo abaixou. Resta saber se a “Agenda Brasil”, proposta por Renan, é apenas espuma, como dito por Eduardo Cunha, seu colega no PMDB e na Lava-Jato.
Espuma ou não, o “pacote Renan” deveria incluir outros temas. Como exemplo, incorporar as dez medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal, que serão apresentadas como projeto de iniciativa popular. Caso o Congresso Nacional as adotasse, não precisaríamos colher 1,5 milhão de assinaturas. Na mesma linha, Renan poderia agilizar a tramitação de mais de 500 projetos de lei relacionados ao combate à corrupção, muitos dos quais engavetados há anos no Legislativo.
Também fez falta a redução dos 39 ministérios, como sugeriu o próprio Renan na sua (curta) fase oposicionista. A reforma administrativa deveria começar na Presidência da República (PR), que em março passado, tinha exatos 18.388 servidores. Para prestigiar algumas áreas ou para saciar a fome de cargos dos políticos, a PR inchou em quantidade de órgãos e funcionários. Dentro da PR estão nada menos do que nove ministros!
Conforme boletim do Planejamento, a quantidade de servidores da Presidência engloba a Vice-Presidência, a Controladoria-Geral da União, a Advocacia Geral da União, a Agência Brasileira de Inteligência e todas as secretarias com status de ministério: Aviação Civil, Portos, Promoção da Igualdade Racial, Micro e Pequenas Empresas, Assuntos Estratégicos, Relações Institucionais, Direitos Humanos, e de Políticas para Mulheres. 
Também integram a estrutura da PR a Agência Nacional de Aviação Civil e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Uma eventual reunião dos 18.388 servidores da PR no Rio de Janeiro teria que ser realizada no Maracanãzinho.
O ginásio, porém, não seria suficiente para sediar reunião de todos os funcionários públicos federais lotados no Rio de Janeiro. Aliás, diga-se de passagem, nem o Maracanã, que após as reformas só pode abrigar 78.838 pessoas. Acreditem ou não, apesar de a capital ter sido transferida para Brasília há 55 anos, no Rio estão lotados 102.623 servidores públicos federais ativos do Poder Executivo. No Distrito Federal são 70.251.
Outra curiosidade são os quase cem mil cargos, funções de confiança e gratificações existentes apenas no Poder Executivo federal. Como o número atual é de 99.850, em breve chegaremos à marca histórica, provavelmente recorde mundial. Somente os chamados cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) somam 22.559.
Tanto a quantidade de servidores como as “comissões” cresceram significativamente nos últimos anos. De 2002 para cá, foram quase 130 mil servidores federais civis a mais e cerca de 30 mil novos cargos, funções de confiança e gratificações. Ainda que as despesas com pessoal em relação ao PIB tenham diminuído, a tribo cresceu, em número de índios e caciques, sem que os serviços públicos tenham melhorado.
Há muitos anos o Estado não é repensado. Na década de 30, Getúlio criou o Dasp para incorporar o “fordismo” à administração pública. Anos depois, Hélio Beltrão preocupou-se com a burocracia e o respeito ao cidadão. O economista Bresser Pereira, apesar de contestado, também trouxe o assunto à tona. Entretanto, a fusão do Ministério da Administração e Reforma do Estado com o do Planejamento não surtiu efeito, pois as questões administrativas perderam relevância. No dia a dia, os cortes orçamentários e a questão fiscal se sobrepõem à discussão sobre o Estado. Assim, inexiste debate sobre como redimensionar ministérios, autarquias, fundações, agências reguladoras, conselhos e comissões, bem como sobre a privatização de estatais e subsidiárias.
Além da “pauta Renan”, urge enxugar a máquina pública e aprovar medidas eficazes para o combate à corrupção, o nosso mal maior. As propostas do MPF tratam de prevenção, aceleração dos processos judiciais, recuperação de recursos, eliminação de brechas por onde escapam os bandidos de colarinho branco, redução das prescrições e agravamento das penas, inclusive aos partidos políticos.
Enfim, é difícil dizer se todos Os Dez Mandamentos seriam aprovados no Congresso Nacional. No momento, entretanto, o que parece mais importante para a sociedade brasileira é o sétimo: Não roubar!
Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas
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