por Alexandre Schwartsman Folha de São Paulo
Não deixa de ser irônico que, apesar do enredo algo novelesco, a crise
grega tenha adquirido ares de tragédia, principalmente pela sensação de
inevitabilidade quanto a seu desfecho.
Assim como Édipo, que, ao fugir da maldição que assolou a dinastia dos
Labdácidas, precipitou os acontecimentos que buscava evitar, as ações
dos últimos anos acabaram conduzindo à atual situação, com o país
virtualmente expulso da moeda única e condenado a uma recessão ainda
mais severa.
A "maldição" original é clara. Hoje sabemos que a Grécia não tinha
condições de se juntar à zona do euro. Suas finanças estavam em
condições muito piores do que sugeriam os números apresentados à época,
mais um caso de "contabilidade criativa" de dar inveja a outros governos
que conhecemos.
As instituições gregas também eram muito mais frágeis do que as da
maioria dos seus parceiros da zona do euro, o Estado presa de toda sorte
de interesses particulares, do "capitalismo de compadres" ao
clientelismo mais aberto.
Sob essas circunstâncias, a adoção da moeda única era acidente esperando para acontecer. E ocorreu.
A crise financeira de 2008 provocou o refluxo dos capitais da periferia
para o centro da zona do euro, expondo toda a fragilidade grega: a baixa
competitividade e a necessidade de financiar um buraco fiscal que já
superava 6% do PIB nos anos que antecederam a crise.
Sem condições de desvalorizar a moeda em resposta à mudança no cenário
internacional, a Grécia tentou restaurar a competitividade por meio da
queda de preços e salários: a inflação, que oscilava de 2% a 4% ao ano
antes da crise, desacelerou fortemente em seguida a ela, entrando em
terreno negativo a partir de 2013. Isso agravou o quadro recessivo e,
por tabela, as contas públicas, cujo deficit superou 10% do PIB entre
2008 e 2011. Já o desemprego atingiu 25%.
Posto de outra forma, a rigidez cambial, casada com o forte
desequilíbrio fiscal inicial, implicou uma dinâmica particularmente
perversa para a atividade econômica e, por conseguinte, para a
estabilidade política do país.
Nesse sentido, a tomada do poder pela esquerda, o Syriza, não pode ser
vista como um acidente, mas como consequência inevitável (Destino, ou
Moros) do processo acima descrito.
Já a posição infantil do Syriza talvez pudesse ser evitada. Ao chegar ao
poder, havia simpatia em alguns círculos por uma abordagem distinta,
mas o primeiro-ministro grego e seu ministro das Finanças perderam tempo
demais hostilizando os credores, bem como revertendo medidas que
poderiam auxiliar no retorno da competitividade (por exemplo, a elevação
do salário mínimo).
Pareciam acreditar que o restante da zona do euro teria que se curvar à
posição grega pelo medo de ruptura, desconsiderando que talvez a maior
preocupação dos demais países pudesse ser o exemplo negativo da
leniência com respeito à Grécia, em particular o estímulo a outros
partidos semelhantes ao Syriza.
Presos às suas convicções, ambos os lados marcharam cegamente para a
funesta conclusão: a Grécia se encontra às portas da saída do euro, seus
bancos, na lona, e sua economia, prestes a derreter. Já o euro perde
sua aura de inviolabilidade, gerando a possibilidade de novas crises à
frente, em particular nos elos mais frágeis da zona do euro.
Os deuses cegam primeiro aqueles que querem punir.
extraídaderota2014blogspot
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