editorial do Estadão
Fisiologismo é a prática política voltada para interesses e proveito
pessoal, mediante atos de lassidão moral, prevaricação, corrupção ou
afins. É a prática que o lulopetismo impôs, como nunca antes na história
deste país, à gestão da coisa pública. A delação que inclui o deputado
Eduardo Cunha na lista dos políticos investigados pela Operação Lava
Jato – e provocou seu rompimento pessoal com o governo – é um passo
importante, pela notoriedade do investigado, no combate aos efeitos do
fisiologismo. É igualmente auspiciosa a notícia de que a Procuradoria da
República no Distrito Federal abriu uma investigação formal para apurar
a suspeita de tráfico de influência nas relações do ex-presidente Lula
com a empreiteira Odebrecht. Assim, as atenções da Justiça voltam-se
também para o principal responsável pela praga hoje disseminada na vida
pública brasileira. Lula e seu PT não inventaram a corrupção. Mas
aprimoram a prática e a institucionalizaram, em benefício próprio e de
um projeto de poder hoje falido, a ponto de mal sustentar ereto o
“poste” que colocou no Palácio do Planalto.
A exposição de uma faceta que Lula sempre dissimulou poderá completar a
desmistificação de um líder populista cuja reputação foi construída
sobre pés de barro, como hoje se revela aos olhos de uma nação perplexa.
E a denúncia de que o presidente da Câmara cobrou propina milionária
relativa a contratos com a Petrobrás explodiu como uma bomba no
noticiário, não pela informação em si, que não deve ter surpreendido
muita gente, mas pela destemperada reação de Eduardo Cunha. Não é de
hoje que o parlamentar fluminense, eleito para o comando da Câmara dos
Deputados contra a vontade e o empenho do Planalto, acusa Dilma Rousseff
e seus ministros de tentarem envolvê-lo na Lava Jato. E essa é uma das
razões pelas quais Cunha se tem esmerado em manipular a pauta de
votações e o comportamento de seus pares de modo a retaliar o Planalto,
chantageá-lo e impor-lhe sucessivas e humilhantes derrotas em plenário.
Disso tudo sobrou de positivo o reerguimento da importância política e
institucional do Congresso.
Mas pode ser que esse benefício não dure muito. Pois o presidente da
Câmara perdeu totalmente a compostura e ultrapassou os limites éticos e
protocolares que um chefe de Poder deve manter com a Presidência da
República. Não se limitou a refutar as declarações do delator Júlio
Camargo. Falando aos jornalistas logo após a divulgação dos termos da
delação colhida em Curitiba pelo juiz Sergio Moro, Cunha acusou o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de ter obrigado o depoente
a mentir: “É muito estranho, às vésperas da eleição do procurador-geral
da República e de pronunciamento meu em rede nacional, que as ameaças
ao delator tenham conseguido o efeito desejado pelo procurador, ou seja,
obrigar o delator a mentir”. E acrescentou, tentando transformar todo o
Parlamento em vítima de uma armação do Planalto: “É tudo vingança do
governo. Parece que o Executivo quer jogar sua crise no Congresso”.
A estratégia de defesa de Eduardo Cunha é clara. Tenta politizar a
questão de seu envolvimento com a Lava Jato e desacreditar as
investigações, atribuindo-as ao interesse do Planalto de afastá-lo do
comando da Câmara dos Deputados. Essa estratégia, contudo, parece
destinada ao malogro por estar na contramão do esforço nacional para o
fortalecimento das instituições. Afinal, é justamente no contexto do
saneamento moral e político da República que se encaixa a Operação Lava
Jato, agora também no âmbito da Suprema Corte, responsável pela apuração
dos fatos em que estão envolvidos políticos que têm direito a foro
privilegiado.
A Operação Politeia, primeiro passo das investigações sob o controle do
STF, é uma demonstração clara de que o Executivo, como tem argumentado o
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não tem como intervir
diretamente no desenvolvimento das apurações: os 53 mandados cumpridos
pela Polícia Federal que resultaram, por exemplo, na apreensão da
coleção de carros de luxo do senador Fernando Collor foram assinados por
três ministros da Suprema Corte.
Tudo indica, portanto, que Eduardo Cunha terá de se conformar com o
curso da Lava Jato e com seu desfecho. É assim que a coisa funciona
quando as instituições democráticas são mais fortes do que os arreganhos
autoritários de maus políticos.
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