por Miriam Leitão O Globo
É a marcha do país em direção à perda do grau de investimento. Assim
caminha o Brasil. A aprovação do aumento para os funcionários do
Judiciário se junta à indexação total dos benefícios previdenciários e à
adoção de regras mais generosas de aposentadoria. Tudo isso acontece
enquanto a dívida do país aumenta e o déficit nominal chega ao espantoso
número de 7,9% do PIB.
O ministro Nelson Barbosa ligou de São Francisco, nos EUA, para alguns
jornalistas, entre eles, eu. Disse o que pensa dessa proposta: “É
incompatível com a situação econômica que estamos passando e
insustentável do ponto de vista fiscal e é socialmente injusta.” Ele
lembrou que isso representa R$ 1,5 bilhão só este ano, sem haver
orçamento previsto. “Não se pode pedir, na atual situação de aumento do
desemprego e queda do salário real, que a população gaste mais com
salário de servidores”. Segundo ele, há risco concreto de efeito
cascata, que começa com a justiça estadual, mas pode atingir todos os
servidores.
O governo negocia um aumento para seus funcionários, de 21%, para ser
pago em quatro anos. Nelson Barbosa entregou um documento com os
cálculos, como referência, ao presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), Ricardo Lewandowski. “O ministro ficou de avaliar e pediu para
que o Congresso não votasse o aumento.” Pois aconteceu o oposto: a
proposta foi votada e aprovada por unanimidade.
A tempestade continua em Brasília. Os sinais dados pelo Congresso e os
números que saem do Tesouro mostram que será inevitável o rebaixamento.
Mesmo que a presidente Dilma vete essa proposta, o que fica claro é que o
legislativo tem uma pauta expansionista e o governo deixou de ser o
centro do poder. Hoje o Congresso vota qualquer coisa, a qualquer hora,
sem olhar o contexto e o custo. Quer atingir o governo e ameaça a
estabilidade econômica.
A conjuntura internacional piorou com a crise grega. Quando isso
acontece, todos os países que têm fragilidades são olhados com
preocupação por investidores, tenha ou não qualquer relação com o país
epicentro da crise. Para a Moody’s e a Fitch, o Brasil está dois degraus
acima do grau especulativo, mas com uma única redução pela Standard
& Poor’s nós perderemos o que levou duas décadas para conseguir: o
selo de país bom para investimento.
A contradição é tal que nem se consegue acompanhar todas as despesas
criadas pelo Congresso. No mesmo dia em que aprovou o aumento para
servidores do Judiciário, o Senado reduziu PIS/Cofins sobre o diesel, o
que tem um custo em renúncia fiscal de R$ 13,8 bi por ano.
A bagunça nas contas públicas feita no governo passado foi tão grande
que o esforço para dar realismo aos números está exibindo um quadro
incompatível com um país com grau de investimento. A dívida bruta bateu
recorde e completou um aumento de 10 pontos percentuais do PIB desde o
início do governo Dilma. O governo mostrará a dívida líquida e garantirá
que está estabilizada, mas nenhum analista olha esse indicador porque
ele desconta os empréstimos do Tesouro ao BNDES, ativos que não têm
liquidez. Ninguém sabe quando nem como serão pagos. O que é usado no
mundo inteiro, comparável, relevante para as agências de risco é a
dívida bruta. Mais do que o número em si, que é alto, há a dinâmica do
endividamento. O Brasil é um país que tem um déficit nominal enorme, não
consegue fazer superávit primário relevante, manipulou contas públicas
recentemente, criando dúvidas sobre o passado, tem um Congresso que
aprova aumento de gastos obrigatórios, e o Banco Central mantém uma taxa
de juros elevada para enfrentar a inflação fora da meta. O risco de
rebaixamento é concreto.
O único conforto é que os números que saem do Tesouro este ano são mais
fidedignos, e isso faz com que sejam injustas as comparações com os dois
anos anteriores. Em 2013 e 2014, houve tanta manipulação, truque,
pedalada, que deveriam ser desconsiderados na série. O que a própria
equipe econômica sabe é que a tempestade em Brasília continuará. Não há
sinais de bom tempo no horizonte.
No centro do problema econômico, está a crise política. O Congresso foi
capturado pelos grupos de interesses, seus líderes não entenderam que
essas bombas fiscais vão ferir o país. O governo está fraco pela baixa
popularidade da presidente que, durante a campanha, falou o oposto do
que defende hoje.
extraidadarota2014blogspot
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