Eliane Cantanhêde O ESTADO DE SÃO PAULO
Vejam se não parece um movimento combinado: Dilma Rousseff adotou
subitamente uma postura de contemporização, enquanto o seu mestre Lula
assume a linha de frente do confronto. É uma combinação conveniente, mas
de resultado incerto, senão perigoso.
Em questão de dias, Dilma mandou três recados claros de que não quer
briga, está muito ocupada cuidando do governo e "tentando genuinamente
fazer o que é certo".
O primeiro recado, aliás, foi para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy,
que andou traduzindo para o inglês o que todo mundo já aprendeu em
português: Dilma tem lá suas boas intenções, mas nem sempre escolhe "o
modo mais fácil e mais efetivo" de fazer as coisas e obter resultados.
Leia-se: erra muito.
Nos bastidores, a presidente destacou Aloizio Mercadante para telefonar e
dizer a Levy que estava "muito irritada". Em público, dois dias depois,
o papo foi outro. Segundo ela, o ministro foi "mal interpretado" e até
ficou "triste" com as versões e intrigas divulgadas pela imprensa.
O segundo recado foi ontem, na posse do ex-tesoureiro do PT na
Secretaria de Comunicação da Presidência. A tentação do "controle social
da mídia" ainda percorre os subterrâneos do poder, e o PT insiste em
atribuir a culpa de todas as crises de antes, de agora e do futuro à
imprensa, mas Dilma fez um discurso na contramão desse blablablá.
Com toda a formalidade que o Planalto exige, ela voltou a defender
enfaticamente o direito de manifestação e a liberdade de imprensa, "o
direito de ter opiniões, de criticar e de apoiar". E prometeu "rigoroso
cuidado" com as verbas públicas de publicidade.
E o terceiro recado foi que as crises são com os outros, não são com
ela. O Congresso está às turras, prefeitos e governadores se rebelam,
Levy admite que o Brasil pode perder o grau de investimento, o
crescimento de 2014 foi de 0,1% e a inflação de 2015 deve bater em 8%.
Sem falar na Petrobrás... Mas Dilma está numa sintonia diferente,
inaugurando milhares de unidades do Minha Casa, Minha Vida, de Norte a
Sul.
Se ela veste a fantasia paz e amor, Lula traça a estratégia do
confronto. Depois de convocar "o exército do Stédile" - um espanto! -,
ele participou ontem de plenárias do PT para articular duas novas
manifestações de rua pró-PT e pró-Dilma, em 7 de abril e 1.º de Maio, ou
seja, uma antes e outra depois da grande mobilização do dia 13 de abril
anti-Dilma, anti-PT e anti o próprio Lula.
Desidratado de líderes, bandeiras e discursos históricos, atingido por
mensalão, petrolão e a bolha na economia, o PT diz que quer voltar a ser
o PT, mas no fundo discute extrapolar o PT. Quer, ou precisa, deixar de
ser um partido no poder para "participar e ajudar a articular um ampla
frente de partidos e setores partidários progressistas, centrais
sindicais, movimentos sociais da cidade e do campo".
Óbvio que os tempos e os atores são outros, quem está nos protestos
agora não quer regime militar, nem pensa em ditadura, quer competência e
decência. Mas essa tal frente cheira a Frente de Mobilização Popular
(FMP), que se uniu em torno de João Goulart e não fez nem cosquinha nas
forças em sentido contrário no fatídico 31 de março de 1964.
Lula, o PT, o MST, a CUT e outros menos cotados já perderam no primeiro
embate de rua, quando suas camisas vermelhas não fizeram frente ao
tsunami de 15 de março pelo País inteiro. Logo, Lula é um gênio da
política, mas pode estar enveredando pelo caminho errado ao ir para o
confronto.
Melhor faz Dilma, que não pode dividir mais ainda, deve somar, recuperar
o eleitorado perdido, resgatar a confiança de investidores e mostrar
para a esmagadora maioria apartidária do País que é capaz de conduzir o
governo e tirar o país das crises.
É bem mais complicado do que Lula botar militante na rua, mas,
convenhamos, pode ser muito melhor para o País, para a democracia e,
claro, para a sobrevivência do próprio PT.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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