Jornalista Andrade Junior

domingo, 4 de janeiro de 2015

Reflexões de um esquerdista sobre o novo Ministério

René de Carvalho
Lembro que em muitas manifestações, durante o governo Allende, militantes traziam cartazes em que se podia ler “Es um gobierno de mierda, pero es de nosotros”.  Penso que podemos dizer, em nossa situação atual, que temos um ministério de merda, mas não me arriscaria a dizer que es de nosostros… É na verdade o ministério que nos coube na atual correlação de forças.
Claro, essa correlação não exige kátias e conformes, mas penso cá comigo que poderíamos apenas obter mudanças de forma, mas não de conteúdo. Sei que a correlação de forças na sociedade é melhor do que a do Parlamento… Mas foi apenas suficiente para nos dar uma vitória apertada. O que realmente me preocupa, mais do que uma vitória eleitoral apertada, é que perdemos nos últimos anos, apoio na sociedade. Penso que essa é atualmente nossa grande fragilidade.
Tenho o sentimento de que a compreensão da complexidade da relação entre correlação de forças na sociedade, no parlamento e ministério é muito importante para qualquer definição de tática. O ministério que está sendo composto busca atender à correlação de forças no parlamento, tentando obter relativa maioria parlamentar e reforçar a legalidade do mandato presidencial sob ofensiva do revanchismo oposicionista. Mas não podemos, é claro, considerá-lo um instrumento de melhoria da correlação de forças na sociedade.
CRÍTICAS NECESSÁRIAS
As críticas de esquerda ao ministério que vai sendo montado são necessárias. Seu foco talvez é que poderia ser outro. O nome dos escolhidos / indicados tem seu simbolismo, é claro. E isso importa. Mas importa bem mais os compromissos que cada ministro assume, de público, para a efetivação do programa do governo.
Cada ministro ao ser empossado deveria ser obrigado a apresentar seus planos e compromissos à sociedade: o que o governo se compromete a fazer em cada área, nos próximos quatro anos. E as metas para os dois primeiros anos.
Do jeito que as coisas ocorrem, trata-se apenas de indicações de grupos políticos, sem maiores compromissos com a população e o programa de governo que a mesma elegeu. Essa seria a meu ver a melhor contribuição de um ministério à mudança na correlação de forças na sociedade.
Mas essa mudança será apenas limitadamente fruto de composições ministeriais.  Ela dependerá essencialmente de uma ação política no amplo campo extra parlamentar. E esta carece hoje de construção de estruturas e reorientação de instrumentos de diálogo e mobilização social.
E AS BANDEIRAS?
Quais são as bandeiras do movimento sindical para os próximos quatro anos? Manter conquistas é claro, mas e além?  Para não nos atermos ao corporativismo: qual a relação das bandeiras estritamente sindicais com os avanços necessários na política nacional? Em termos agrários, outro exemplo, como definir mais precisamente a qualidade dos passos a serem dados na consolidação de assentamentos já criados, alguns deles de forte conteúdo simbólico e econômico?  Em que medida esses passos dependem de evoluções da política econômica?
E no que serão, provavelmente, os dois grandes eixos de reflexão, proposição e mobilização dos próximos anos? Quais são as bandeiras mais imediatas no plano da habitação e mobilidade urbana.  Como transformar experiências exitosas [mudanças no IPTU em SP, etc.] em bandeiras de maior alcance e propagação? Quais as bandeiras prioritárias na saúde, para os próximos anos?  Quais as medidas mais imediatas e relativamente exequíveis que podem ser exigidas das diferentes instâncias governamentais?
Como articular construtivamente todas essas bandeiras? Agir corretamente sobre essa articulação é uma questão política central.   Articulação não é somatório, juntar tudo.  Me martela a cabeça a ideia de que a soma das demandas é sempre superior  ao possível. Articular bandeiras que ultrapassem o corporativismo, em termos políticos, é definir o que é possível em cada momento e o que é essencial para ampliar os limites do possível.

TRÊS TEMAS
Me veem à cabeça três temas que me parecem estruturantes: o da reforma política, na medida em que o financiamento empresarial superestima as bancadas parlamentares que são pontas de lança da manutenção do status quo, do conservadorismo, e potencializam os processos de corrupção. A reforma fiscal, instrumento chave de diminuição das desigualdades e que pode aportar mais recursos à ação governamental. E propostas de política econômica [o que efetivamente propomos de forma fundamentada?] que precisam ainda ser amadurecidas e especificadas.
Questões essenciais devem ter ficado de fora dos rabiscos acima: a questão ambiental, a da segurança pública em particular a tenebrosa questão prisional entre outras. Mas a ideia não era ser abrangente. Apenas contribuir para a troca de ideias sobre as importantes questões da tática para o momento presente.
(Artigo enviado por Sérgio Caldieri)

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