Jornalista Andrade Junior

sábado, 3 de janeiro de 2015

"Agora não tem marketing"

, editorial do Estadão

Livre do marketing eleitoral e, portanto, desobrigada da necessidade de dizer e fazer apenas aquilo que dá voto, Dilma Rousseff defronta-se agora com a responsabilidade de governar o País por mais quatro anos. É desafio um pouco mais difícil do que tudo o que já enfrentou, considerando a herança maldita que ela legou a si mesma. E como nem tudo o que foi prometido na campanha eleitoral é, já se viu, para valer, às vésperas da posse no segundo mandato uma das coisas aparentemente claras na cabeça de Dilma é que ela parece disposta a, finalmente, assumir um governo que possa chamar de seu. O que ainda não se sabe é se isso será bom ou ruim para o Brasil.
O que se observa, por conta da composição no novo Ministério, é que, ao escalar a equipe "da casa" - os ministros com gabinete no Palácio do Planalto e, por essa razão, mais próximos da intimidade da presidente -, Dilma se esmerou em eliminar todos os vestígios da presença de Lula em seus calcanhares. Com isso deu uma guinada à esquerda dentro da seara petista, acabando com a influência, dentro do Planalto, da tendência majoritária e lulista do partido, a Construindo um Novo Brasil (CNB). Optou por escalar dois representantes de uma facção partidária mais à esquerda, a Democracia Socialista (DS): Miguel Rossetto e Pepe Vargas, respectivamente para a Secretaria-Geral e a pasta das Relações Institucionais. Permanece no Palácio Aloizio Mercadante, o chefe da Casa Civil, membro da CNB, mas desafeto de Lula.
Por outro lado, a escalação do trio que comandará Fazenda, Planejamento e Banco Central, até onde se sabe, foi resultado de entendimento entre Dilma e seu criador, atendendo a ponderações óbvias sobre a necessidade de promover um controle fiscal que ajude a reconquistar a confiança do mercado e dos investidores no governo, de modo a permitir a retomada do crescimento da economia. Resta saber o nível de autonomia que Dilma concederá ao trio, já que a imposição de uma política de rigor fiscal é incompatível com a prática predominante do seu primeiro mandato.
Quanto à composição do novo Ministério em geral, o resultado é tão medíocre quanto o critério que a orientou. Fiel ao "presidencialismo de coalizão" a que se submeteu sob a alegada necessidade de garantir a "governabilidade", Dilma esforçou-se, nem sempre com sucesso, em satisfazer as demandas da "base aliada", principalmente de seu próprio partido e do insaciável PMDB, além da raia miúda sempre ávida em garantir seu quinhão. Como resultado, ninguém está satisfeito, provavelmente nem ela própria.
Ainda na área política, Dilma já vai inaugurar o novo mandato com dois enormes abacaxis a descascar: o escândalo da Petrobrás e a clara intenção de Lula de exercer permanente pressão sobre ela, a partir do princípio de que, se não vai por bem, vai por mal. De fato, não seria de esperar que Lula aceitasse passivamente a redução de sua influência no governo. Por isso, sabendo contar com a maioria dos quadros dirigentes e da militância do PT, retomou com maior ênfase seu habitual discurso populista e procura se aproximar de movimentos sociais alinhados com a esquerda, na intenção de comandar a pressão sobre Dilma "a partir das ruas". Afinal, 2018 vem aí.
Enquanto isso, Dilma continua fazendo o que pode para dar conta do recado das urnas. O que tem significado, paradoxalmente, para usar uma expressão elegante, renegar por palavras e atos pontos fundamentais de seu discurso eleitoral. A mais recente proeza foi anunciar cortes de R$ 18 bilhões/ano no pagamento de cinco benefícios trabalhistas: abono salarial, seguro-desemprego, seguro-defeso, pensão por morte e auxílio-doença.
A nomeação do "banqueiro" Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda já contradisse todo o discurso com que Dilma atacou a intenção revelada por Aécio Neves durante a campanha eleitoral de nomear Armínio Fraga para o mesmíssimo cargo. Agora o governo petista, ao anunciar cortes de benefícios sociais para "corrigir distorções", pratica a mesma "ignomínia" de que a oposição era acusada pela propaganda petista: tentar resolver os problemas do País reduzindo os recursos da área social, ou seja, fazendo "a comida desaparecer da mesa do trabalhador". Agora pode.
fonte rota2014

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