OPERAÇÃO CONDOR
Por Carlos Ilich Santos Azambuja
Quando
da prisão do general Augusto Pinochet, em Londres, em 1999, foram
publicadas no Brasil uma série de reportagens, algumas de páginas
inteiras, sobre a denominada “Operação Condor” (década de 70), buscando
vincular Órgãos de Inteligência brasileiros, especialmente o extinto
Serviço Nacional de Informações com a referida operação, por ter
“cooperado para formar e preparar quadros para os órgãos de repressão
das ditaduras chilena, argentina, boliviana, uruguaia e paraguaia” (“O
Globo” de 5 de janeiro de 1999).
Após indiciar o general Pinochet por genocídio, o
juiz espanhol Baltasar Garzón (ex-deputado socialista) passou a buscar
documentos objetivando demonstrar que, depois da deposição de Salvador
Allende, no Chile, em 11 de setembro de 1973, os governos de cinco
países - Argentina, BRASIL, Bolívia, Paraguai e Uruguai - uniram-se, sob
o comando da DINA, o Serviço de Inteligência chileno, numa espécie de
“Mercosul do terror”. A parceria teria sido formalizada em 1975, sendo
denominada “Operação Condor”.
Nesse mister, o
juiz Garzón conta com a colaboração do advogado espanhol Joan E.
Garcés, assessor de Allende, no Chile, nos anos 1971-1973, que abandonou
o Palácio La Moneda minutos antes de este cometer suicídio. Joan
Garcés, posteriormente, em 1976, foi o fundador, na Espanha, da
Federação dos Partidos Socialistas e, em 1979, da esquerda socialista do
Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Felipe Gonzalez.
Em
1976, Joan Garcés escreveu o livro “Allende e as Armas da Política”,
editado no Brasil em 1993 pela “Editora Scritta”, traduzido pelo
escritor e jornalista brasileiro Emir Sader, que viveu no Chile como
auto-exilado durante o governo Allende, onde integrou os quadros do
Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR).
Vamos
aos fatos. Àquilo que os jornalistas que abordaram o tema não disseram
ou não quiseram dizer. Muitos dados aqui relatados foram extraídos do
livro “Europa Versus Pinochet - Indebido Proceso”, escrito por
Hermógenes Perez de Arce - professor universitário e colaborador do
jornal “El Mercurio” - lançado em Santiago, Chile em 1998, e já em
segunda edição.
Deve ficar claro que quando
existe uma ameaça terrorista de caráter internacional, os órgãos de
segurança dos países ameaçados se coordenam. Sempre foi e continua sendo
assim. Nesse sentido, a “France-Press” divulgou, em 21 de novembro de
1998, o seguinte telegrama: “O presidente francês, Jacques Chirac, e o
Primeiro-Ministro Lionel Jospin, confirmaram ao chefe do governo
espanhol, José Maria Aznar, a adesão da França à luta antiterrorista na
Espanha, ao ser concluída, ontem, a reunião de cúpula França-Espanha, em
La Rochelle”. Ou seja, esses dois países coordenam seus Órgãos de
Inteligência para combater a ETA-BASCA.
Esse
acordo não ficou no papel. Dia 10 de março de 1999, “O Globo”
transcreveu um telegrama vindo de Paris, segundo o qual “as forças de
segurança da França e da Espanha” haviam detido no dia anterior, em
território francês, seis espanhóis, membros do grupo ETA, “incluindo o
chefe militar José Javier Arizcuren Ruiz, conhecido como ‘Kantari’,
procurado desde a década de 80 e acusado de haver tentado matar o rei
Juan Carlos I, em Palma de Mallorca, em 1995 (...) A prisão foi
resultado de uma operação conjunta entre a França e a Espanha”.
Voltando
à América Latina, deve ser recordado que o desafio terrorista contra os
governos do continente, há 25 anos, nada mais era do que uma derivação
da Guerra-Fria.
Em 1974 - menos de um ano
após a deposição de Allende - foi fundada em Paris uma Junta de
Coordenação Revolucionária (JCR), integrada pelo Exército de Libertação
Nacional (ELN), da Bolívia, o Exército Revolucionário do Povo (ERP), da
Argentina, o Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros MLN-T), do
Uruguai, e o Movimento de Izquierda Revolucionário (MIR), do Chile.
O Secretário-Geral
da JCR era o cubano Fernando Luis Alvarez, membro da Direção Geral de
Inteligência (DGI) cubana, e casado com Ana Maria Guevara, irmã de Che
Guevara, o que conferia à JCR o caráter de instrumento do Estado cubano.
Pouco
tempo depois, em outubro de 1974, a Comissão Política do MIR, através
de seu jornal “El Rebelde en la Clandestinidad”, dava conta desse fato
nos seguintes termos: “No campo internacional, nosso partido redobrará a
coordenação e o trabalho conjunto com o ERP, O MLN-T e o ELN da
Bolívia, e junto com eles lutará para fortalecer e acelerar o processo
de coordenação da Esquerda Revolucionária Latino-Americana e Mundial
(...). Chamamos a todas as organizações e movimentos irmãos a redobrar a
luta em seus próprios países, a fortalecer e ampliar a Junta
Coordenadora do Cone Sul (...)”.
O dirigente
do PC Chileno, já falecido, que também foi Ministro do governo Allende,
Orlando Millas, escreveu em suas “Memórias, 1957-1991”, “Ediciones
Chile - América”, Santiago, 1995, páginas 186 e 187, o seguinte:
“Reunimo-nos em Moscou, em 1974, os membros da Comissão Política do
partido que estávamos no exílio, ou seja, os titulares Volodia
Teitelboim, Gladys Marin (atual Secretária-Geral do Partido Comunista
Chileno) e eu, e o suplente Manuel Cantero. Nessa oportunidade soube do
acordo que haviam chegado, em Havana, dirigentes dos respectivos
partidos (chileno e cubano), para que contingentes de militantes
comunistas chilenos fossem aceitos como alunos, na qualidade de cadetes,
na Escola Militar de Cuba.
Foi recrutado para essa tarefa o melhor do melhor da nova geração no exílio. Senti que os conduzíamos a queimar-se no Chile em batalhas impossíveis. Quem menos direito tem de criticá-los somos nós, que assumimos a responsabilidade, estremecedora, de sugerir-lhes, sendo adolescentes, que o caminho para ser dignos de seu povo deveria ser percorrido empunhando armas”.
Infelizmente, isso
não aconteceu somente no Chile. No Brasil, também na década de 70, mais
da metade dos que foram mandados para a morte pela direção do Partido
Comunista do Brasil, nas selvas do Araguaia, eram jovens estudantes ou
recém-formados.
Anteriormente a
tudo isso, no Congresso do Partido Socialista Chileno, ao qual pertencia
Salvador Allende, realizado na cidade de Chillán, em 1967, foi aprovada
uma Resolução Política que dizia: “(...) A violência revolucionária é
inevitável e legítima (...). Só destruindo o aparato burocrático e
militar do Estado-burguês, pode consolidar-se a revolução socialista”.
Essa linha política foi confirmada no Congresso realizado em 1971 - ano
em que Allende assumiu o governo - realizado na cidade de La Serena.
A decisão do PS chileno de optar pela “violência revolucionária” estava de acordo com os protocolos adotados no ano anterior, 1966, em Havana, na “Conferência Tricontinental”, quando foi aprovada pela unanimidade das 27 delegações presentes a sugestão de criar a “Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS)” - ondas, em espanhol -, uma cópia do Komintern dos anos 30, um pacto político-militar para revolucionar a América Latina. O autor dessa proposta foi o delegado que representava o Partido Socialista Chileno: Salvador Allende.
Quem
melhor resumiu a consistência da ameaça armada ilegal constituída
durante os quase três anos em que Allende esteve no governo foi o
ex-senador e ex-presidente do Partido Socialista durante o referido
governo, Carlos Altamirano. No livro da jornalista Patrícia Politzer,
editado no Chile em 1995, pode ser lido o seguinte diálogo:
Entrevistadora: “Quantos homens formavam esse modestíssimo aparato
armado do Partido Socialista?” Altamirano: “Mas ou menos mil a mil e
quinhentos homens, com armas leves”. Entrevistadora: “Mil homens não é
pouco”. Altamirano: “Não era pouco se houvesse uma coordenação com o
aparato militar do MIR, que supostamente era bastante mais importante
que o nosso; com o do Partido Comunista, que também era maior, e com os
que tinham o MAPU e a Esquerda Cristã. Porém, essa coordenação não
aconteceu...”.
É evidente que o número de
1.000 a 1.500 homens, do PS, 3.000 a 5.000 do MIR (“bastante mais
importante”), 2000, do Partido Comunista (“também era maior”), do MAPU e
Esquerda Cristã, aproximadamente 1.000, redundava em um total
aproximado de 10.000 homens armados que, somado aos “companheiros de
Tropas” (referidos por Patrício La Guardia, como se verá adiante) e a um
número indeterminado de outros estrangeiros, era, sem dúvida, um
contingente respeitável.
Nos anos 80, a ação
armada subversiva, no Chile, ganhou impulso com os sucessivos
desembarques de armas realizados desde navios cubanos, em janeiro, junho
e julho de 1986: 3.200 fuzis, 114 lança-foguetes soviéticos RPG-7, 167
foguetes anti-blindagem LAW (alguns utilizados no atentado contra
Pinochet nesse mesmo ano de 1986, que causou a morte de 5 militares de
sua escolta), granadas, munições e outras armas (livro “Chile, Crônica
de um Assédio”, Santiago, 1992, tomo I, página 98). Ou seja, o maior
contrabando de armas jamais registrado na América Latina.
A
prova da intervenção cubana e de que um contingente dessa nacionalidade
encontrava-se no Chile durante o governo Allende, inclusive integrando a
segurança pessoal do presidente, pode ser encontrada em uma publicação
cubana sobre o julgamento, muitos anos mais tarde, já no final da década
de 80, de diversos altos oficiais do Exército cubano, acusados de
narcotráfico. Um desses oficiais, Patrício La Guardia, amigo pessoal de
Fidel Castro, condenado à morte e fuzilado, viu-se submetido ao seguinte
interrogatório: Pergunta: “E missões internacionalistas, além dessa de
Angola, que cumpriu anteriormente? Resposta de Patrício La Guardia:
“Estive no Chile. Fui condecorado com a Medalha Internacionalista de
Primeiro Grau porque estava no Chile à frente dos companheiros de
Tropas, quando do golpe de Estado, e cumpri outras operações especiais”
(“Vindicación de Cuba 1989”, “Editorial Política”, Havana, Cuba, página
291).
O ex-presidente chileno Eduardo Frei,
pai do atual presidente Eduardo Frei, em declarações ao jornal “ABC”, de
Madri, Espanha, disse o seguinte: “O marxismo, com o conhecimento e
aprovação de Salvador Allende, e talvez por instigação dele próprio,
havia introduzido no Chile inumeráveis arsenais, que eram guardados em
residências, escritórios, fábricas e armazéns. O mundo não sabe que o
marxismo chileno dispunha de um armamento superior em número e qualidade
que o do Exército (...). Os militares salvaram o Chile e a todos nós,
cujas vidas não são, certamente, tão importantes como o Chile”.
Pergunta-se
o que poderiam fazer os governos ameaçados frente a uma internacional
terrorista. A OLAS, nos anos 60, e a JCR, nos anos 70? Obviamente, o
mesmo que fazem hoje França e Espanha: coordenar suas ações
antiterroristas. Assim, teria nascido a “Operação Condor”.
Se
no decorrer das operações repressivas foram cometidos delitos, sucedeu
algo parecido com o grupo espanhol denominado GAL (Grupos
Antiterroristas de Libertação), constituído por elementos pertencentes
aos Órgãos de Inteligência espanhóis. A responsabilidade pelos delitos
deveriam recair sobre as pessoas que os cometeram, como, de fato,
recaíram. Em 19 de julho de 1998 o Supremo Tribunal da Espanha condenou
vários auxiliares de Felipe Gonzalez (que governou a Espanha por 14
anos, de 1982 a 1996), inclusive seu Ministro da Justiça, por crimes
praticados durante a luta contra a ETA-BASCA.
Em nenhum momento, porém, os diligentes juizes espanhóis pensaram em responsabilizar Felipe Gonzalez por esses crimes.
Assim,
como ao juiz espanhol Baltasar Garzón não ocorreu submeter a processo
Felipe Gonzalez, assim, tampouco, existe fundamento para acusar o atual
senador Pinochet, por alguma atuação indevida de seus subordinados
durante o desenrolar da “Operação Condor”, quando presidente do Chile.
Hoje,
no entanto, o juiz Baltasar Garzón, assessorado por Joan Garcéz, busca
satanizar a “Operação Condor”. É indiscutível, porém, que face a um
desafio terrorista coordenado, que não era um pic-nic, os Órgãos de
Inteligência dos países ameaçados fizeram o mínimo que deveriam fazer:
coordenar-se. E deverão fazê-lo sempre.
Outra acusação feita a Pinochet é a de “genocídio”, por haver supostamente perseguido um grupo político: o de comunistas nativos e de outros países exilados no Chile. Tal delito, no entanto, é tipificado pelo “Convênio sobre Genocídio”, como “a perseguição a um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, e não de grupos políticos. E mais: o Convênio Internacional sobre crimes de genocídio, patrocinado pela ONU, estabelece expressamente que o Tribunal competente para julgar esse tipo de crime é o do lugar onde foi cometido o delito.
Sobre o assassinato, nos EUA, do ex-chanceler de Allende, Orlando
Letelier, do qual Pinochet é também responsabilizado pelo juiz Garzón,
recorde-se uma entrevista de seu filho, deputado Juan Pablo Letelier, a
uma jornalista, em Santiago, em 1995: Pergunta: “O senhor tem se
dedicado nos últimos tempos a exculpar de toda a responsabilidade o
Exército do Chile e seu Comandante em Chefe pela morte de seu pai. Por
que?” Resposta: “Não me dediquei a exculpar. O que já disse, por mais de
uma vez, porque me ensinaram a falar a verdade, é que não há nenhuma
evidência que flua do processo, de milhares de folhas, que permita
sustentar que tenha havido participação do Exército ou de seu Comandante
em Chefe no assassinato de meu pai” (jornal “El Mercurio” de 4 de junho
de 1995, página D-2).
A comunidade jurídica
internacional sempre considerou profundamente injusto julgar uma época
aplicando os padrões morais de outra. Por isso, entre outras razões,
existe universalmente a prescrição, através da qual o transcurso do
tempo extingue as responsabilidades. Existe, pois, um ingrediente de
tremenda injustiça em querer julgar, 25 anos depois, acontecimentos que
hoje parecem desprovidos de toda a carga de incerteza, temor e ódio que
existiam no Chile e em toda a América Latina nos anos 70. Sempre,
“antes” as coisas são diferentes do que parecem “depois”, quando o
perigo já passou. Um velho ditado diz que “depois da batalha, todos são
generais”.
O terrorismo e os terroristas, por sua vez, não têm que responder ante ninguém. Se triunfa, converte-se em um regime totalitário, e este, por definição, não tem que responder por seus atos. Se é derrotado, converte suas baixas em “vítimas”, e descreve a guerra suja que perdeu como um “extermínio” - ou, como deseja o juiz Garzón, um “genocídio”-.
Em
1990, mesmo depois do Governo Militar, as vítimas do “genocídio” e do
“extermínio” continuaram a atuar, e assassinaram, em plena democracia, o
coronel Fontaine, do Corpo de Carabineiros, o Major do Exército Carlos
Perez e sua mulher, e feriram gravemente os generais Leigh e Ruiz, da
Força Aérea, em atentados.
No Chile, durante
os primeiros anos do Governo Militar, o juiz Rafael Retamal, que havia
sido presidente da Corte Suprema, ante um requerimento de que a Justiça
fosse mais severa com os “excessos repressivos”, replicou: “Os
extremistas iam nos matar a todos. Ante essa realidade, deixemos que os
militares façam a parte suja. Depois chegará a hora dos direitos”.
Hoje,
não só no Chile, alguns extremistas, que insistem em fazer um
boca-a-boca na falida doutrina científica, e correligionários seus,
defensores dos direitos humanos, acusam de “assassinos” os militares.
Porém, o então Ministro da Corte Suprema, e depois presidente desse
Tribunal, temia ser assassinado pelos extremistas. Quem eram, então, os
assassinos?
Nos anos 60 e 70 o mundo vivia
sob a chamada “Guerra-Fria”. A possibilidade de um conflito bélico
global sempre esteve presente. Na América Latina, a exportação da
guerrilha e do terrorismo, de Cuba para o restante do continente, era
uma constante. Em 1967, Che Guevara havia sido morto na Bolívia à frente
de um grupo de guerrilheiros cubanos. Um grande desembarque de armas
extremistas havia sido descoberto e frustrado na Venezuela. Fidel Castro
e Guevara falavam abertamente que os Andes se converteriam na “Sierra
Maestra do continente” e que seriam criados “vários Vietnãs”. Então, os
Tupamaros, no Uruguai, os Montoneros, na Argentina, os militantes do MIR
chileno, e Marighela e Lamarca, no Brasil, atuavam coordenados sob a
batuta da Inteligência cubana.
Para
concluir, deve ser recordado que, recentemente, em 3 de julho de 1998, o
comandante Fidel Castro, em discurso pronunciado quando do encerramento
de um seminário, em Havana, sobre o tema “Globalização”, convocado pela
“Associação de Economistas da América Latina”, reconheceu seu papel de
promotor da guerrilha em toda a América Latina nos anos 60. Guerrilha
que fez uma montanha de mortos.
Todos os argumentos e relatos acima serviriam para que o pedido de prisão de Garzón-Garcéz contra o atual senador Pinochet fosse arquivado pela Câmara dos Lordes inglesa. Todavia, isso não seria politicamente correto, pois Pinochet não é de esquerda. O processo contra ele parece ser um acerto de contas, uma vingança política contra quem destruiu um mito marxista: a derrubada do poder de um governo comunista.
É isso que a esquerda de todos os matizes não admite, não aceita e não perdoa.
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