‘Não se governa de um palanque’, editorial do Estadão
PUBLICADO NO ESTADÃOUma das críticas recorrentes e mais contundentes que até notórios simpatizantes como Frei Betto fazem ao Partido dos Trabalhadores é a de que, após chegar ao Palácio do Planalto, em 2003, o partido passou a priorizar seu ambicioso projeto de perpetuação no poder, a ele condicionando o projeto de governo. Na última quarta-feira, na festa promovida para comemorar “o decênio que mudou o Brasil”, Luiz Inácio Lula da Silva ─ o que é natural ─ e Dilma Rousseff ─ o que é lamentável ─ demonstraram acima de qualquer dúvida que estão mais preocupados com as urnas do que com a solução dos crescentes problemas do País. A festa, minuciosamente planejada pelo marqueteiro oficial dos petistas, João Santana, serviu de palanque para o lançamento, por Lula, da candidatura de Dilma Rousseff à reeleição, daqui a um ano e oito meses. E a presidente da República cumpriu disciplinadamente o papel que o roteiro da festa lhe reservava. Com um discurso populista e sectário, inadequado para quem não deixa de ser chefe de governo e de Estado nem mesmo num evento partidário, Dilma Rousseff sinalizou que daqui para a frente, até outubro de 2014, será sempre mais candidata do que presidente.
Ao antecipar o calendário eleitoral e comunicar ao País que sua pupila vai disputar a reeleição, Lula demonstrou que, ao contrário do que seu tom triunfal sugere, sabe que a vitória em 2014 não são favas contadas, principalmente por conta das incertezas de uma conjuntura econômica que, se até recentemente era favorável, agora é uma grande incógnita no médio prazo. Por essa razão tentará o Partido dos Trabalhadores, o mais cedo possível, “tomar conta” da cena eleitoral e consolidar a imagem da presidente Dilma Rousseff com, mais uma vez, a irrecusável indicação do Grande Chefe. Em circunstâncias normais, esse seria um problema do Partido dos Trabalhadores, que os eleitores resolveriam nas urnas.
Ocorre que quem está genuinamente preocupado com o futuro do País não pode deixar de constatar que o partido hegemônico no âmbito federal opta claramente por se aproveitar das dificuldades nacionais ─ que se acumularam nos últimos dois anos ─, em vez de superá-las em benefício de todos os brasileiros.
Pois é isso que ocorre quando os programas governamentais passam a ser subordinados aos interesses eleitorais, sempre imediatos. Não se governa de cima do palanque. Buscar soluções para questões fundamentais no âmbito da educação, saúde, infraestrutura, segurança, etc., implica frequentemente a prescrição e a aplicação de remédios amargos que só rendem dividendos políticos a longo prazo, provavelmente muito depois da próxima eleição. A presidente Dilma faria muito melhor, portanto, se, em vez de vestir vermelho e recitar num palanque as frases de efeito que lhe são ditadas por seu marqueteiro, se dedicasse a governar bem, que é o que dela se espera.
Mas na festança petista, realizada nas instalações de um hotel de São Paulo, os militantes em geral tinham mesmo muito o que comemorar, depois de 10 anos no poder, numa máquina estatal aparelhada como nunca antes na história deste país. Um aparelhamento, justiça seja feita, compartilhado com um enorme arco heterogêneo de alianças, devidamente representado no palanque por caciques partidários que iam desde os “faxinados” ex-ministros Carlos Lupi (PDT) e Alfredo Nascimento (PR) até o neodilmista Gilberto Kassab (PSD), saudado pela plateia com sonora vaia. Companhias, até para alguns petistas, um tanto indigestas. Mas, como explicou Lula, “ora, não é para casar!”.
A cereja do bolo servido na festa petista foi a participação de mensaleiros condenados pelos mais variados crimes: José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha. Foi-lhes estritamente recomendada uma participação discreta, o que os manteve fora do palanque, mas não os privou de efusivas manifestações de apreço e consideração.
Enquanto isso, a oposição continua em obsequioso silêncio, quebrado pelo solitário discurso de críticas ao governo feito pelo senador Aécio Neves na tarde de quarta-feira. Foi pouco, muito pouco.
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