Janaina Paschoal: coragem de dizer o que pensa
Reinaldo Azevedo
Yoani, o poder das palavras e o ódio à democracia no texto de uma professora de direito da USP
Os
leitores deste blog sabem quem é a sempre excelente Janaina Conceição
Paschoal. Advogada criminalista, professora livre-docente de direito
penal da Universidade de São Paulo, esta moça costuma pensar sem medo,
uma qualidade cada vez mais rara num país que parece fazer de tudo para
caminhar para a ditadura do consenso — que pode, em muitos aspectos, ser
ainda mais odiosa do que as do Castro.
Fiquei
sabendo que Janaina esteve, nesta manhã, no auditório do Estadão, onde
Yoani Sánchez conversou com jornalistas, podendo, finalmente, dizer com
clareza o que pensa. Convidei, então, a professora a escrever um texto
exclusivo para o blog. Ela aceitou. Mais uma vez, segue o trabalho
desassombrado desta jovem professora, de 38 anos. Não! Juventude não é
categoria de pensamento, eu sei. Nestes dias, no entanto, em que tantos
moços se comportam como frangotes do velho totalitarismo, saúdo o
trabalho de uma moça que tem a coragem de defender as liberdades
individuais.
Janaina
toca numa questão essencial: as agressões de que Yoani foi vítima
começam a se tornar rotina, ainda que de forma mitigada, até no ambiente
acadêmico brasileiro. Basta que não se recite a cartilha de um partido
ou de uma ideologia para cair vítima da difamação. Parabéns, professora!
Segue o seu texto.
*
Acompanhei, hoje pela manhã, a “Conversa com Yoani”, promovida pelo Jornal O Estado de São Paulo. Diversamente do ocorrido em outras oportunidades em que a blogueira tentou se manifestar, o clima estava ameno e respeitoso. O que, confesso, conferiu-me grande alívio, pois, na qualidade de cidadã brasileira, já estava morrendo de vergonha pela forma com que a moça vinha sendo recepcionada.
Acompanhei, hoje pela manhã, a “Conversa com Yoani”, promovida pelo Jornal O Estado de São Paulo. Diversamente do ocorrido em outras oportunidades em que a blogueira tentou se manifestar, o clima estava ameno e respeitoso. O que, confesso, conferiu-me grande alívio, pois, na qualidade de cidadã brasileira, já estava morrendo de vergonha pela forma com que a moça vinha sendo recepcionada.
Várias
perguntas foram formuladas pelos jornalistas que conduziram a conversa e
também pelo público. Yoani respondeu a todas de forma objetiva e
serena. Algumas questões deram à blogueira a oportunidade de fazer o
papel de garota propaganda de uma suposta abertura cubana, bem como do
elevado espírito democrático do governo brasileiro.
Com
efeito, pela “enésima” vez, ela foi indagada acerca do embargo a Cuba.
Respondeu ser contra, pois, caindo o embargo, Cuba não mais terá
desculpas para todas as violações praticadas na Ilha. O Senador Eduardo
Suplicy perguntou a opinião de Yoani sobre a frase da presidente Dilma,
referente a ser melhor ter uma democracia barulhenta do que uma
silenciosa ditadura. Ela, como qualquer pessoa minimamente racional
faria, afirmou que gostaria de eternizar a frase, por ser uma de suas
preferidas.
Eu já
estava redigindo uma pergunta quando alguém se antecipou e indagou a
opinião de Yoani acerca da postura do governo brasileiro diante da
ditadura cubana. Nesse instante, a meu ver o ponto alto da Conversa, a
moça, corajosa e calmamente, disse que, se ela pudesse dar uma sugestão,
seria justamente a de que diminuísse o silêncio. Ela elogiou e
agradeceu a ajuda financeira que o Brasil envia a Cuba, mas foi bastante
clara ao cobrar firmeza e menos silêncio perante a violação aos
direitos fundamentais.
Ela ainda
fez questão de enfatizar que não existem cubanos de Fidel ou cubanos de
Miami. Há apenas cubanos que amam o seu país, onde quer que estejam.
Para
aqueles que vêm procurando distorcer os fatos, sugerindo que, se Cuba
fosse mesmo tão ditatorial, esta moça não estaria aqui, Yoani, de forma
muito diplomática (ela, inclusive, se apresentou como uma diplomata da
cidadania), disse que, na verdade, Cuba nem a tolera nem autoriza que
ela mantenha seu trabalho. Cuba, dada a visibilidade mundial que ela
conquistou, não tem mais como impedi-la.
Restou, portanto, muito evidente que Yoani não recebeu a liberdade; ela abriu, conquistou, a duras penas, esse espaço.
Ao falar
da frustração que implica ler as notícias em seu país, Yoani relatou
que, ao comparar os verbos utilizados nas notícias nacionais e
internacionais, intriga constatar que, nas nacionais, sempre estão
presentes “AUMENTAR”, “CRESCER”, “DESENVOLVER”; por outro lado, nas
internacionais, sempre se encontram “MATAR” e “MORRER”. Tudo a
referendar a falsa ideia de que Cuba seria um paraíso. Ideia,
infelizmente, muito difundida no ambiente acadêmico brasileiro, onde
nossos jovens escutam, reiteradamente, que a verdadeira democracia está
em Cuba.
Quando
questionada sobre os protestos que enfrentou, a blogueira foi bastante
categórica ao aduzir que exercício da democracia não guarda relação com
fanatismo, que se caracteriza pela violência verbal e até física.
Acrescento
que a truculência sofrida pela visitante, mais que motivo de vergonha
própria e alheia, não tem mesmo nada a ver com democracia e poderia até
configurar o crime de constrangimento ilegal, previsto no artigo 146 do
Código Penal, pois ela foi impedida de fazer o que a lei permite.
Fossem os
tais protestos, que realmente exorbitaram a livre manifestação,
intentados apenas por jovens românticos, aqueles que ainda acham “in”
usar camisetas com fotografias de Che Guevara, ou Fidel, até seria
“desculpável”.
No
entanto, as agressões físicas e verbais, perpetradas por pessoas já não
tão jovens — pessoas, muitas vezes, que se esforçam para não terminar os
cursos universitários em que ingressaram e, quando jubiladas, prestam
novos vestibulares para poder exercer seu ofício — são, em grande parte,
estimuladas por muitos mestres. Mestres que propalam e escrevem que a
liberdade de manifestação não tem valor quando não se tem igualdade
social. Mestres que, como no nazi-fascismo, elevam a sociedade ao
patamar de uma entidade indefinida e, portanto, diversa dos vários
indivíduos que a compõem. Os indivíduos, com suas necessidades, suas
esperanças, medos e sonhos são apenas detalhes. Ora, para aniquilar um
detalhe, não precisa muito.
Yoani foi
bem clara ao dizer que os cubanos vivem um quotidiano de pavor, pois não
sabem se o amigo com quem falam ao telefone é ou não um agente do
Estado.
Não
pertenço a nenhum partido. Por óbvio, apesar de ter até parentes
petistas, não posso me alinhar com uma sigla que trabalha, a todo tempo,
com dois pesos e duas medidas.
Amigo é
herói. Inimigo é ditador. Aliado é vítima de perseguição política.
Dissidente é terrorista ou vendido. Amigo de amigo recebe asilo, não
importa o que tenha feito. Opositor de amigo é deportado, hostilizado,
vaiado, agredido. Tribunal que condena inimigo é democrático. O que
condena amigo é Corte de Exceção.
Ora, já
que democracia barulhenta é melhor que ditadura silente, por que, diante
da ditadura cubana, ainda permanece o silêncio? Além do silêncio, por
qual razão um governo que se diz democrático ainda não explicou todo
esse imbróglio envolvendo o funcionário da Presidência e um esquema de
espionagem da visitante?
Muito
tenho ouvido que seria papel da oposição ter uma presença mais firme ao
lado de Yoani. Respeito, mas não penso dessa forma. Apoiar alguém que
luta COM PALAVRAS por liberdade para AS PALAVRAS é papel de todo
cidadão, independentemente da causa.
Ademais,
não são poucos os intelectuais e políticos não formalmente petistas que
ainda ostentam certo romantismo juvenil em torno de Cuba; reverenciam
Fidel, em um saudosismo injustificável. Creio que o problema seja mais
profundo que qualquer confronto de legendas partidárias.
Já escrevi e faço questão de repetir que ditadura é ditadura, e ditador não é herói.
A vinda de
Yoani para o Brasil se revelou muito importante por escancarar a
realidade que tomou conta do país há um bom tempo. Algumas pessoas se
assustaram com os protestos e agressões contra a blogueira, como se
fossem atos isolados. No entanto, esse já é o tratamento dispensado a
qualquer pessoa que ouse pensar um pouco diferente.
Para não
perder o tom de relato, concluo dizendo que, ao final do evento,
encontrei Yoani no banheiro e, a pedido de uma cubana, que sonha poder
voltar para sua terra natal sem correr riscos, bati uma fotografia de
ambas, abraçadas, ali mesmo no banheiro. As duas cubanas estavam felizes
por se encontrarem, fisicamente e nos ideais. Eu fiquei feliz por
registrar o momento e por, finalmente, ter a visitante conseguido falar.
Afinal, foi somente para isso que ela veio.
Por Reinaldo Azevedo
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