Coices e relinchos
Nelson Motta - O Globo -
Coitados, esses pobres diabos vão morrer sem ter lido um só verso de Gullar, sem saber o que perderam
A maneira mais estúpida, autoritária e desonesta de responder a alguma crítica é tentar desqualificar quem critica, porque revela a incapacidade de rebatê-la com argumentos e fatos, ideias e inteligência. A prática dos coices e relinchos verbais serve para esconder sentimentos de inferioridade e mascarar erros e intenções, mas é uma das mais populares e nefastas na atual discussão politica no Brasil.
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A maneira mais estúpida, autoritária e desonesta de responder a alguma crítica é tentar desqualificar quem critica, porque revela a incapacidade de rebatê-la com argumentos e fatos, ideias e inteligência. A prática dos coices e relinchos verbais serve para esconder sentimentos de inferioridade e mascarar erros e intenções, mas é uma das mais populares e nefastas na atual discussão politica no Brasil.
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A outra é responder acusando o adversário de já
ter feito o mesmo, ou pior, e ter ficado impune. São formas primitivas e
grosseiras de expressão na luta pelo poder, nivelando pela baixaria, e
vai perder tempo quem tentar impor alguma racionalidade e educação ao
debate digital.
Nem nos mais passionais
bate-bocas sobre futebol alguém apela para a desqualificação pessoal,
por inutilidade. Ser conservador ou liberal, gay ou hetero, honesto ou
ladrão, preto ou branco, petista ou tucano, não vai fazer o gol não ser
em impedimento, ser ou não ser pênalti. Numa metáfora de sabor
lulístico, a politica é que está virando um Fla x Flu movido pelos
instintos mais primitivos.
Na semana passada,
Ferreira Gullar, considerado quase unanimemente o maior poeta vivo do
Brasil, publicou na “Folha de S.Paulo” uma crônica criticando o mito
Lula com dureza e argumentos, mas sem ofensas nem mentiras. Reproduzida
em um “site progressista”, com o habitual patrocínio estatal, a crônica
foi escoiceada pela militância digital.
Ler
os cento e poucos comentários, a maioria das mesmas pessoas, escondidas
sob nomes diferentes, exigiria uma máscara contra gases e adicional de
insalubridade, mas uma pequena parte basta para revelar o todo. Acusavam
Gullar, ex-comunista, de ter se vendido, porque alguém só pode mudar de
ideia se levar dinheiro, relinchavam sobre a sua idade, sua saúde, sua
virilidade, sua aparência, sua inteligencia, e até a sua poesia. E
ninguém respondia a um só de seus argumentos.
Mas
quem os lê? Só eles mesmos e seus companheiros de seita. E eu, em
missão de pesquisa antropológica. Coitados, esses pobres diabos vão
morrer sem ter lido um só verso de Gullar, sem saber o que perderam.
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