Rogério Furquim Werneck: O Globo
A aprovação pela Câmara, em primeiro turno, da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 241 — que submete as despesas primárias da União a um
teto determinado pelos gastos do ano anterior corrigidos pela inflação —
parece ter acirrado o debate sobre a superação da crise fiscal em que o
país está metido.
Entre os que se opõem à PEC 241, dissemina-se agora o argumento de que,
ao estabelecer travas constitucionais a decisões sobre o dimensionamento
do dispêndio público, a imposição do teto denotaria lamentável falta de
confiança no livre funcionamento do processo democrático.
O argumento seria mais respeitável se os que hoje o brandem tivessem
lamentado, com o mesmo empenho, as muitas travas a que os constituintes
recorreram, em 1988, para cercear decisões do Congresso sobre a
composição e o nível do gasto público. Na verdade, muitos dos que agora
fazem essa crítica à PEC 241 se permitem defender, com obstinação, a
preservação das travas constitucionais que “protegem” a composição do
gasto e impedem sua contenção.
Perceber que as circunstâncias políticas e econômicas de 2016 são muito
diferentes das de 1988 ajuda a entender por que as travas que hoje se
fazem necessárias são tão diferentes das que foram originalmente
impostas pelos constituintes.
Em 1988, o país tinha acabado de emergir de 21 anos de regime militar.
Embevecidos com as possibilidades da tão esperada redemocratização, os
constituintes deram pouca ou nenhuma atenção à instauração de um regime
fiscal sustentável. As travas constitucionais que conceberam eram para
garantir a expansão de gastos sociais e a universalização do acesso ao
sistema previdenciário, à educação e à saúde.
Não faltou quem alertasse, desde final dos anos 80, que o regime fiscal
engendrado pela Constituição de 1988 era insustentável. E, já em 2005, a
equipe econômica do primeiro governo Lula chegou a propor um programa
de ajuste de longo prazo que permitisse atenuar a expansão dos gastos
primários da União. Mas a iniciativa foi prontamente torpedeada pela
então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, por incumbência do
presidente Lula.
Durante muitos anos, a rápida elevação de carga tributária permitiu que
os gastos primários da União se expandissem ao dobro da taxa de
crescimento do PIB. Mas esse padrão de financiamento se esgotou. E, com o
colapso da economia, na esteira da devastação fiscal perpetrada pela
presidente Dilma, a arrecadação desabou, agravando ainda mais o aumento
explosivo do endividamento público observado nos últimos anos.
É esse quadro de descalabro fiscal, em que a economia tende a ficar cada
vez mais vulnerável aos efeitos desestabilizadores da desconfiança na
dívida pública, que agora terá de ser enfrentado. A curto prazo, não há
como viabilizar o gigantesco ajuste fiscal que seria requerido para
restabelecer o controle sobre o endividamento público.
O que o governo pretende, com a imposição de um teto à expansão do gasto
público, é ganhar tempo, pondo em marcha um processo convincente de
mudança paulatina do regime fiscal que, aos poucos, permita que o
endividamento público volte a se estabilizar.
A simples aprovação do teto não assegurará a mudança de regime fiscal
que se faz necessária. O que se espera é que, ao impor à União uma
restrição orçamentária efetiva, com credibilidade respaldada por regra
fiscal inscrita na Constituição, o teto eleve os custos da preservação
da rigidez do gasto público federal e, com isso, estimule o senso de
urgência requerido para que o Congresso aprove as medidas que poderão
viabilizar um novo regime fiscal.
A aprovação de tais medidas será tão mais fácil quanto menos apegado se
mostrar o Congresso ao emaranhado de travas que enrijecem o Orçamento. É
preciso que o Congresso entenda a importância de permitir que as
negociações sobre a composição do gasto público, entre os poderes
Executivo e Legislativo, passem a ser feitas de forma mais desimpedida,
como em democracias mais avançadas.
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