Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Derrubaram a CPI do Cachoeira para proteger a Delta e o petismo

Derrubaram a CPI do Cachoeira para proteger a Delta e o petismo

EDITORIAL JORNAL OPÇÃO

Usando o deputado federal Odair Cunha, o petista-chefe Lula da Silva transformou a CPI do Cachoeira numa operação-vingança. Deu tudo errado. O PT teve de usar o PMDB e o PR para brecá-la. O ex-presidente corre o risco de Dilma Rousseff ter um lugar maior na história ...

Lula da Silva e Dilma Rousseff: o ex-presidente populista, que não respeita as instituições, e a presidente institucional. A mulher pode ter um lugar mais positivo na história do Brasil do que o operário-general autoritário? Se Lula continuar maltratando

Costuma-se dizer que a petista Dilma Rousseff é uma presidente institucional, isto é, que joga pelas regras legais, sem pretender alterá-las para aumentar o poder pessoal ou garantir a permanência no poder por mais tempo de um grupo político. Em tudo diferente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prefere jogar pelas regras tradicionais, optando pelo toma-lá-dá-cá e pela ação bruta. Com apoio de jornalistas e intelectuais da esquerda comunista pós-1964, Lula está construindo um movimento que, no momento, dirige o PT — o Lulopetismo — e, ao submeter a maioria dos petistas, banca seus próprios candidatos a cargos eletivos, como a presidente Dilma Rousseff, em 2010, e o prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad, em 2012. Com José Dirceu “arquivado” pela história e prestes a ser preso por decisão da Justiça, o PT é cada vez mais “de” Lula. Se o Lulopetismo se concentrasse apenas em subjugar o PT e seus integrantes — muitos parecem não entender o que está ocorrendo —, não haveria do que reclamar. Entretanto, há indícios de que Lula, por meio de seu movimento, quer submeter a Imprensa, o Ju­diciário e o Legislativo, enfim, as sociedades política e civil. Portanto, o Lulopetismo escapa às movimentação da democracia.

Como se sabe, na democracia, o titular de cargos como presidente, governador e prefeito não pode usá-los para fins pessoais ou colocá-los a serviço de objetivos privados ou partidários. Um petista pode chefiar o governo, mas o Estado não pode ser petista ou lulopetista. O Estado é público, dos cidadãos. Os petistas reclamam que, com Dilma Rousseff, o Estado está se tornando menos petista e que, com Lula, o Estado era mais petista ou lulopetista. Isto prova o acerto de Dilma Rousseff, que comporta-se como presidente do Brasil — dos brasileiros —, não, obviamente, dos petistas. Por isso a chamamos de uma “presidente institucional”. Ela certamente não aprecia a comparação, mesmo porque é mais desenvolvimentista do que a monetarista alemã, mas podemos chamá-la, na falta de comparação mais adequada, de Angela Merkel dos trópicos.

Lula é um grande político, mas, ao intervir no presente, parece não perceber qual será seu lugar na história — e nisto é muito diferente do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, este, tão institucional quanto Dilma. Lula, primeiro indivíduo de origem operária a se tornar presidente, é um ícone internacional — uma referência da estirpe de Pelé. Seu governo foi positivo para o país, pois, além de manter a estabilidade da economia (mostrou responsabilidade), investiu na ideia de que é possível constituir um país socialmente mais justo. Parece pouco, mas não é. A inclusão de mais pessoas ao mercado e o acesso robustecido aos direitos básicos — alimentação, saúde e educação — são acertos do PT no governo. Isto não deve ser visto tão-somente como assistencialismo e, apesar do uso político clientelista, o interesse do petismo pelos deserdados é mesmo genuíno. Há uma história de seriedade idealista entre os petistas no campo social.

No entanto, embora tenha sido um presidente qualitativo, Lula não aceita críticas e, por isso, está sempre no ataque, que, no fundo, é uma atitude defensiva. No lugar de se apresentar como um “avanço”, o petista se apresenta como “ruptura” — o que, embora queira, não é. Grandes rupturas não podem mais ser feitas — exceto no campo tecnológico —, pois as sociedades aprenderam, a duras penas, que, embora falem em revoluções que prometem o paraíso, costumam ser um retrocesso histórico, marcado por ampla violência, como são os casos do stalinismo na União Soviética, o nazismo na Alemanha e o maoísmo na China (matou mais gente do que a Segunda Guerra Mundial). O petismo no poder, simbolizado por Lula, é, insistamos, uma evolução positiva de uma corrente socialdemocrata que inclui, além do PT, o PSDB de Fernando Henrique Cardoso. PT e PSDB são diferentes em filigranas, mas não no essencial. A sucessão do PSDB pelo PT significa, então, uma continuidade, não uma ruptura. O que se pode sugerir é que a socialdemocracia petista “radicaliza”, por assim dizer, um pouco mais o social. Para desespero dos socialistas ortodoxos, como o notável sociólogo socialista e ex-petista Francisco Oliveira, os petistas radicalizaram outra tese socialdemocrata, e não unicamente tucana: o incentivo maciço, com recursos públicos, às grandes empresas locais. Por que isto ocorre? Porque, ao contrário dos socialistas e dos comunistas, que são internacionalistas, os socialdemocratas, como os petistas e os tucanos, são mais nacionalistas. Por que o PSDB tem dificuldade de arrancar o PT do poder? Porque, sobretudo, sua proposta de governo não difere, em larga medida, da do PT.

Habilmente, o PT nunca fez um movimento para usar o Estado para destruir o PSDB, a oposição consentida (espécie de MDB dos tempos democráticos), mas o fez para destruir um adversário figadal de seus projetos e ações, o partido Democrata. As estruturas públicas foram utilizadas, com extrema felicidade, para destruir alguns políticos democratas. Os demais partidos, fisiológicos ou ideológicos, foram incorporados, como rêmoras, ao séquito do tubarão petista. O Lulopetismo teme o socialista Eduardo Campos, governador de Pernambuco? Teme, mas não muito. Mas este é outro assunto.

O estadista não “elege” inimigos a destruir — a democracia de fato não coaduna com linguagem bélica —, e sim adversários a derrotar eleitoralmente. Dilma Rousseff parece entender isto à perfeição — daí sua convivência respeitosa com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, até hoje o principal ideólogo do PSDB (o que prova a inapetência do partido às ideias). Lula, pelo contrário, é belicista e quer destruir seus adversários que, sugere, são verdadeiros inimigos.

Depois de destroçar o DEM de José Roberto Arruda e Demóstenes Torres, arrancados à força do mercado político, Lula decidiu-se por outra operação-vingança, como se fosse Lampião redivivo. Com uma “cajadada” só, o ex-presidente pretendia atingir dois “coelhos”. Para tentar “esconder” o julgamento do mensalão, para suavizar o debate público nos jornais e revistas, o petista-chefe, o Perón operário — a Evita, sabe-se agora, era Rosemary Noronha —, criou a CPMI do Cachoeira, pressionando sistematicamente deputados do próprio PT, que, experientes no Congresso Nacional, sabiam que seria um tiro no pé. Os parlamentares costumam dizer: “Sabe-se como se começa uma CPI, mas não se sabe como termina”. Lula decidiu correr o risco. Para que a imprensa não desconfiasse da “jogada”, produziu-se a ideia de que havia um negócio entre o contraventor Carlos Cachoeira — que mantinha laços com alguns petistas, o que não se quis divulgar a fundo — e o governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo. Era a outra ponta da operação-vingança. No primeiro governo de Lula, quando foi divulgada a história do mensalão, o governador goiano apresentou-se à imprensa e revelou que, assim como Roberto Jefferson, havia alertado o presidente, num encontro em Rio Verde, no Sudoeste de Goiás. A então deputada tucana Raquel Teixeira havia sido abordada por um deputado da base de Lula com a proposta de receber cerca de R$ 30 mil por mês e mais R$ 1 milhão de “luvas”. Lula jurou “vingança eterna” e dizia a petistas e a peemedebistas que, um dia, “pegaria” o tucano.

Mas a vida é imensamente contraditória. Ao tentar “pegar” Marconi, indicando que mantinha ligação com Carlos Cachoeira, Lula não percebeu a outra volta do parafuso, como diria o escritor Henry James. No meio do caminho, havia uma “montanha” gigantesca, a Delta Construções, e muito maior do que o “morrinho” Cachoeira. Enquanto Cachoeira e seus aliados falavam no máximo em milhões, o dono da Delta, o latin lover Fernando Cavendish, falava em cifras superiores — na casa dos bilhões.

Lula, o Lampião petista, não sabia, mas, seguindo a orientação do consultor José Dirceu — sim, o mesmo do mensalão —, a Delta, do príncipe “com sorte” Cavendish, havia se tornado uma empresa poderosa. De 130ª empreiteira, a Delta, tendo faturado mais de 4 bilhões nos governos petistas — e, apesar da CPI, continua recebendo milhões todos os meses, como se nada tivesse acontecido — e mais de R$ 1,5 bilhão do governo do peemedebista Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro, se tornou a sétima maior do país. Um portento. Evidentemente, a empresa recebeu proteção terrestre, nada divina. Descobriu-se que a Delta deveria ser chamada de Petrobrás das empreiteiras — quase uma Deltabrás —, tal o volume de dinheiro envolvido nas suas transações com os governos do PT e do PMDB em vários Estados brasileiros. O tiro de Lula, que havia sido dado em Cachoeira e Marconi, acabou, ao ser desviado, atingindo a Delta, Cavendish e os quase-blindados Sérgio Cabral (o peemedebista é íntimo de Cavendish) e Agnelo Queiroz (PT), este, governador do Distrito Federal.
Em oito meses, enquanto investigava Cachoeira e Marconi, a CPMI acabou por descortinar a situação da Delta — a empreiteira protegida e cevada pelo PT, pelo PMDB e pelo PR. Mas, claro, o alvo não era a Delta. Portanto, ao contrário do que disse o lulopetista da CPMI, Odair Cunha, seu relatório não caiu porque os tucanos decidiram proteger o governador Marconi Perillo e o jornalista Policarpo Júnior, redator-chefe da revista “Veja”. Marconi e Policarpo são gotas d’água no oceano Pacífico das confusões políticas, jornalísticas e financeiras nacionais. Na verdade, como ficou demonstrado claramente, PMDB e PR, com certa anuência petista, derrubaram o relatório de Odair Cunha — o próprio petista, apesar de falar em “pizza”, não tinha mais interesse em aprová-lo — com o objetivo de defender e preservar seus políticos e, também, a Delta. A bancada do Cavendish funcionou como um relógio suíço. Se a CPMI fosse séria, se tivesse feito uma investigação rigorosa, mostrando o esquema da Delta no interior dos governos petistas, peemedebistas e tucanos, além de outros grupos menores, o mensalão — apesar do golpismo político manietar a instituição Legislativo —, do ponto de vista financeiro, seria considerado como uma ação de trombadinhas. O PT, com rara habilidade, usou o PMDB e o PR para “arquivar” o relatório que não mais lhe interessava. Só que, evidentemente, o PT não poderia aparecer como um dos arquivadores do próprio relatório — para não se queimar. Por isso, habilmente, transferiu para os aliados, PMDB e PR, a tarefa de matar pela raiz a investigação. O PT, de Lula a Odair Cunha, passando pela presidente Dilma Rousseff — que nunca se interessou pela “investigação” politizada —, optou por manter os negócios da Delta na sombra.
O relatório alternativo, apresentado pelo deputado federal Luiz Pitiman (PMDB-DF), foi aprovado por 21 a 7 votos. Este relatório, com duas páginas, será repassado para o Ministério Público Federal e para a Polícia Federal. Nada contém de substantivo, mas, pelo menos, não é tão desonesto e vingativo quanto o elaborado pela equipe do ex-presidente Lula e repassado para Odair Cunha assinar como relator.

Postas as questões, é o momento adequado de voltar ao início deste Editorial. Como se disse acima, Lula não percebe que tem um bom lugar garantido na história do país mas, ao não se comportar institucionalmente, avançando sobre os setores que contribuem para garantir a democracia — como a Imprensa, o Judiciário e o Legislativo, além de, quando no poder, usar a máquina pública para fins partidários e pessoais (daí a primeira-amiga Rosemary Noronha) —, tende a ficar cristalizado como um político populista e de matiz autoritário. Infelizmente, não almeja um lugar parecido com o do presidente Juscelino Kubitschek — um democrata sem adjetivos. O papel que Lula está reservando para si é injusto e prova que os intelectuais que o cercam não fazem sua cabeça e nem mesmo conseguem orientá-lo. Fica-se com a impressão de que o ex-presidente se considera eterno e que não tem noção alguma que o futuro tem tanta importância quanto o presente. A posteridade julga duramente e com independência. Se ficar com a imagem de que desrespeitava o Legislativo, o Judiciário e a Imprensa, como se fosse um general sem farda ou Getúlio Vargas sem noção de estadismo, Lula vai, ao desaparecer do mercado político, apequenar-se. Uma pena, porque Lula é — se mudar, continuará sendo — importante para o país, pois é um valor referencial. Fernando Henrique Car­doso, apesar de ter garantido a estabilidade do país e ter desmontado, parcialmente, o Estado corporativo-varguista, não ficará na história com um papel tão destacado quanto o de Lula. Mas, se depender do próprio Lula, se os luas vermelhas não conseguirem orientá-lo — se continuarem aplaudindo o “grande homem” por qualquer pilhéria que diz, sobretudo quando ataca instituições e valores democráticos —, seu papel na história vai ficar cada vez menor. Recente pesquisa do instituto Datafolha mostra dois dados curiosos — quase nada discutidos pela Imprensa e pelos políticos. Primeiro, a sensação de que há corrupção no governo da presidente Dilma Rousseff aumentou substancialmente. É a população que está dizendo isto — não é a oposição. No entanto, a popularidade de Dilma Rousseff continua alta, aproximando-se dos 80% — o que apenas comprova a realidade: a petista não é corrupta, ainda que esteja punindo a corrupção “apenas” (na verdade, é um avanço) com a demissão dos políticos e gestores venais. Segundo, os índices de Dilma Rousseff, para uma provável disputa eleitoral em 2014, são praticamente os mesmos de Lula. Noutras palavras, o caráter institucional da presidente foi e está assimilado pela população brasileira. Não importa que seja sisuda e pouco dada a piadas — “alemã demais”, como dizem auxiliares —, e sim que seja séria, o que ela é. Se Lula brincar, se não rever seus conceitos — no fundo, é maior do que percebe (é pueril a insistência em dizer que fez “tudo”) —, Dilma Rousseff ficará “maior” na história, e não apenas por ter sido a primeira mulher a governar o Brasil. O adversário de Lula, em termos históricos, pode não ser Fernando Henrique Cardoso — e sim a seriíssima Dilma Rousseff. 
 
Fonte: Jornal Opção -

 

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