editorial do Estadão
Há muito tempo os brasileiros comuns pouco ou nada se identificam com a
política. Para a maioria dos cidadãos, a política é coisa distante, dos
políticos profissionais, geralmente mais empenhados em atender a seus
interesses do que aos do País. De grande parte dos candidatos o eleitor
nem lembra o nome depois de votar, porque deduz que o sufragado também
esquecerá de quem nele votou assim que assumir o cargo. Logo, o ato de
votar não é senão uma tediosa obrigação, deixando de servir como o elo
fundamental entre o eleitor e o eleito, razão de ser de uma democracia
representativa. Talvez por esse motivo tão poucos cidadãos até agora se
dispuseram, nesta eleição, a doar dinheiro para a campanha de algum
candidato. Afinal, não se estabelece da noite para o dia um vínculo que
só existe e se solidifica quando o eleitor se convence de que seu
candidato fará jus ao voto recebido, na forma de atitudes políticas e de
projetos que representem os legítimos anseios da população.
Esse divórcio entre eleitores e políticos ficou suficientemente claro em levantamento publicado recentemente pelo Estado,
que revelou que apenas 229 mil pessoas, ou 0,16% do total do eleitorado
nacional, decidiram bancar algum candidato. O número de doadores é
cerca de metade do número de postulantes a cargos eletivos, o que basta
para mostrar a indisposição dos eleitores de colocar a mão no bolso para
ajudar seus candidatos.
Sendo esta a primeira eleição em que o financiamento das campanhas não
pode ser feito por empresas, trata-se de um dado muito relevante:
afinal, espera-se que, na impossibilidade de arrecadar recursos de
pessoas jurídicas, os partidos e seus candidatos consigam dinheiro
daqueles que pretendem representar – não mais as empresas, como era até
agora, mas sim os cidadãos.
No entanto, o baixíssimo número de doadores, que denota o fracasso dos
candidatos na tarefa de convencer os eleitores a lhes dar recursos,
obrigou os partidos a recorrer ao Fundo Partidário, que deveria se
chamar “bolsa partido”, pois financia com verba pública legendas que não
têm voto. Ademais, apenas 1% dos doadores responde por quase um quarto
das doações, o que indica forte concentração – os maiores doadores são
empresários e políticos abonados, que decerto pretendem ter algum tipo
de influência direta sobre os candidatos que generosamente bancaram. Por
fim, a Justiça Eleitoral identificou doações de R$ 16 milhões por parte
de beneficiários do Bolsa Família, o que indica algum tipo de fraude –
ou os bolsistas não sabiam que estavam fazendo a doação ou o CPF dos
beneficiários está sendo usado para legalizar doações feitas por meio de
caixa 2. Para o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar
Mendes, tal situação “deixa uma nuvem não muito transparente sobre esse
modelo de doação”.
Ou por ingenuidade ou por ter tido seus interesses contrariados, decerto
haverá quem veja em toda essa situação a prova de que é preciso
restabelecer o financiamento empresarial, desmoralizando o sistema que
restringe as doações às pessoas físicas. Não é por outra razão que há
intensa mobilização no Congresso, envolvendo inclusive o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para restabelecer as doações eleitorais
de empresas. “O financiamento de campanha é um assunto que vai ser
reaberto. Essa questão estava mais ou menos pacificada antes da eleição,
mas o processo vai reabrir o tema”, disse o senador José Agripino Maia
(RN), presidente do DEM.
Trata-se de uma falsa questão. As eventuais fraudes na arrecadação de
recursos de pessoas físicas nem se comparam com o modelo corrupto
envolvendo empresas, partidos e políticos que vigorava até pouco tempo
atrás e que, uma vez exposto, levou à proibição das doações de pessoas
jurídicas. Não se pode permitir que oportunistas se apeguem a esses
casos, ou mesmo à dificuldade de arrecadar recursos de pessoas físicas,
para justificar o restabelecimento do antigo sistema de financiamento
eleitoral – aquele que transformou a política em um clube fechado, no
qual só entram os políticos profissionais e seus poderosos
financiadores, deixando de fora o próprio eleitor.
extraídaderota2014blogspot
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