GAUDÊNCIO TORQUATO COM O BLOG DO NOBLAT O GLOBO
As delações premiadas ajudarão a compor a verdade? Os delatores deverão assim entender: “quem diz a verdade, tem tudo a seu favor”. Mas que é a verdade?
Quantas horas você trabalha por semana? “Mais ou menos 40 horas”. Você
gosta do que faz? “Mais ou menos”. Qual é sua religião? “Sou católico,
mas não praticante”. O que você gosta de comer? “De tudo, um pouco”. Já
manjaram o perfil? Pois é, trata-se do brasileiro, o cultor da
relatividade. Diferentemente do anglo-saxão, para quem o “sim” é o
contraponto do “não”. E aqui? Aqui, o “pois não” quer dizer “sim”. “Pode
entrar, a casa sua”. O sujeito quer mostrar: “a casa é minha”. A
“parada” militar é um desfile. Em Petrolândia (PE), nunca se encontrou
petróleo. Nem o Rio Grande do Norte nem o Rio Grande Sul possuem grandes
rios. “Qualquer hora a gente almoça”, ou seja, “vamos deixar esse
almoço para as calendas”.
O brasileiro pensa de maneira vaga, indeterminada, fluida; nada é certo,
positivo, medido. Mais ou menos isso, mais ou menos aquilo. Ao lado da
imprecisão, porém, cultiva o gosto pelo estardalhaço, pelo exagero, a
tendência para aumentar: a maior crise econômica, a maior crise
política, o maior estádio, a maior ladroeira de todos os tempos, “nunca
na história deste país”, e assim por diante. O destempero da linguagem
é, portanto, outro traço do nosso ethos, conforme a acurada análise do
embaixador J.O. de Meira Pena em seu denso “Em Berço Esplêndido”..
Daí se dizer que Deus carimbou alguns povos com tintas diferentes. Aos
gregos teria concedido o amor à ciência; aos povos asiáticos, o espírito
combativo; aos egípcios e fenícios (sendo estes últimos os atuais
libaneses), imprimiu a marca do amor ao dinheiro. E aos brasileiros?
Ora, deu a capacidade de improvisar, de exagerar, de faltar com a
precisão. Esses traços fizeram com que o embaixador Gilberto Amado,
outrora, lançasse mão de um engraçado epíteto: “O Brasil é um país
aproximativo”. A verdade, proclamada com toda a pompa e perante
testemunhas que confirmam as boutades, não é bem a que se ouve, e a
mentira, bem, a mentira cochichada aos ouvidos acaba tendo um fundo de
verdade.
Essa caricatura cabe bem nesse momento em que os foros judiciais e os
auditórios dos órgãos de controle tomam depoimentos de implicados na
Operação Lava Jato, cujos efeitos se propagam pelo ambiente social, a
partir dos centros para as margens, e criando a maior (vejam a prova)
coleção de superlativos desses tempos de assepsia nos vãos e desvãos da
administração pública. Os implicados contam nesse duro exercício de
“falar sem dizer muito” com o auxílio de renomados peritos na arte de
driblar questões que possam comprometê-los, os advogados, essenciais na
administração da justiça, conforme reza o art. 133 da Constituição
Federal. Mas nem os profissionais do Direito conseguem administrar o tom
jocoso e alegre de depoentes, como a doleira Nelma Kodama, quem, depois
de mostrar os bolsos traseiros da calça, que teria entupido de dólares,
chegou a cantar um trecho de “Amada, Amante”, de autoria de Roberto
Carlos, para expressar sua vida comum com Alberto Youssef. Esse é o
Brasil da galhofa.
A questão que se coloca é: afinal, chegar-se-á à plenitude da verdade?
As trilhas judiciais, com suas veredas que encompridam o caminho da
Justiça, haverão de chegar à justiça, cumprindo-se o preceito de Spinoza
de que a justiça é “uma disposição constante da alma a atribuir a cada
um o que lhe cabe de acordo com o direito”, ou seja, atribuindo-se a
cada implicado o que lhe cabe? A resposta implica a crença de que o
Poder Judiciário e os órgãos de defesa da sociedade, a partir do
Ministério Publico, exercem com altanaria e independência as suas
funções constitucionais, não se dobrando às pressões de lados contrários
em sua missão de dignificar a ordem jurídica e consolidar o império da
Ordem e do Direito.
Urge reconhecer que nossas instituições políticas e sociais, a par de
aspectos que tendem a gerar tensões entre elas, funcionam a contento,
devendo se esperar que exerçam plenamente suas tarefas. Quanto ao
ambiente social, vale registrar que a onda superlativa que engolfa
corações e mentes, acirrando a animosidade entre grupos, deve ser
entendida como faísca de civismo e participação política. Nesse sentido,
o debate congrega mais interessados, com visível engajamento de
comunidades e movimentos, “como nunca se viu na história deste país”.
O maior escândalo, as mais diversas entidades organizadas, os adjetivos
mais contundentes, a maior constelação de crises – econômica, política,
hídrica, energética, de gestão, moral –, seja isso verdade ou meia
verdade, fazem parte de mais um ciclo de transição por que passa o país.
Este é o cerne do problema. O copo dos escândalos transborda. E o
clamor social exige um fim aos desmandos e ilícitos.
Por fim, a pergunta: as delações premiadas ajudarão a compor a verdade?
Os delatores deverão assim entender: “quem diz a verdade, tem tudo a seu
favor”. Mas que é a verdade? Brecht dizia: “a verdade tem cinco
lados”.
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