Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 21 de maio de 2015

"Tempero brasileiro no caldo da Lava Jato",

GAUDÊNCIO TORQUATO COM O BLOG DO NOBLAT O GLOBO

As delações premiadas ajudarão a compor a verdade? Os delatores deverão assim entender: “quem diz a verdade, tem tudo a seu favor”. Mas que é a verdade?
 
Quantas horas você trabalha por semana? “Mais ou menos 40 horas”. Você gosta do que faz? “Mais ou menos”. Qual é sua religião? “Sou católico, mas não praticante”. O que você gosta de comer? “De tudo, um pouco”. Já manjaram o perfil? Pois é, trata-se do brasileiro, o cultor da relatividade. Diferentemente do anglo-saxão, para quem o “sim” é o contraponto do “não”. E aqui? Aqui, o “pois não” quer dizer “sim”. “Pode entrar, a casa sua”. O sujeito quer mostrar: “a casa é minha”.  A “parada” militar é um desfile. Em Petrolândia (PE), nunca se encontrou petróleo. Nem o Rio Grande do Norte nem o Rio Grande Sul possuem grandes rios. “Qualquer hora a gente almoça”, ou seja, “vamos deixar esse almoço para as calendas”.  
O brasileiro pensa de maneira vaga, indeterminada, fluida; nada é certo, positivo, medido. Mais ou menos isso, mais ou menos aquilo. Ao lado da imprecisão, porém, cultiva o gosto pelo estardalhaço, pelo exagero, a tendência para aumentar: a maior crise econômica, a maior crise política, o maior estádio, a maior ladroeira de todos os tempos, “nunca na história deste país”, e assim por diante. O destempero da linguagem é, portanto, outro traço do nosso ethos, conforme a acurada análise do embaixador J.O. de Meira Pena em seu denso “Em Berço Esplêndido”..
Daí se dizer que Deus carimbou alguns povos com tintas diferentes. Aos gregos teria concedido o amor à ciência; aos povos asiáticos, o espírito combativo; aos egípcios e fenícios (sendo estes últimos os atuais libaneses), imprimiu a marca do amor ao dinheiro. E aos brasileiros? Ora, deu a capacidade de improvisar, de exagerar, de faltar com a precisão. Esses traços fizeram com que o embaixador Gilberto Amado, outrora, lançasse mão de um engraçado epíteto: “O Brasil é um país aproximativo”. A verdade, proclamada com toda a pompa e perante testemunhas que confirmam as boutades, não é bem a que se ouve, e a mentira, bem, a mentira cochichada aos ouvidos acaba tendo um fundo de verdade.  
Essa caricatura cabe bem nesse momento em que os foros judiciais e os auditórios dos órgãos de controle tomam depoimentos de implicados na Operação Lava Jato, cujos efeitos se propagam pelo ambiente social, a partir dos centros para as margens, e criando a maior (vejam a prova) coleção de superlativos desses tempos de assepsia nos vãos e desvãos da administração pública. Os implicados contam nesse duro exercício de “falar sem dizer muito” com o auxílio de renomados peritos na arte de driblar questões que possam comprometê-los, os advogados, essenciais na administração da justiça, conforme reza o art. 133 da Constituição Federal. Mas nem os profissionais do Direito conseguem administrar o tom jocoso e alegre de depoentes, como a doleira Nelma Kodama, quem, depois de mostrar os bolsos traseiros da calça, que teria entupido de dólares, chegou a cantar um trecho de “Amada, Amante”, de autoria de Roberto Carlos, para expressar sua vida comum com Alberto Youssef. Esse é o Brasil da galhofa.
A questão que se coloca é: afinal, chegar-se-á à plenitude da verdade? As trilhas judiciais, com suas veredas que encompridam o caminho da Justiça, haverão de chegar à justiça, cumprindo-se o preceito de Spinoza de que a justiça é “uma disposição constante da alma a atribuir a cada um o que lhe cabe de acordo com o direito”, ou seja, atribuindo-se a cada implicado o que lhe cabe? A resposta implica a crença de que o Poder Judiciário e os órgãos de defesa da sociedade, a partir do Ministério Publico, exercem com altanaria e independência as suas funções constitucionais, não se dobrando às pressões de lados contrários em sua missão de dignificar a ordem jurídica e consolidar o império da Ordem e do Direito.
Urge reconhecer que nossas instituições políticas e sociais, a par de aspectos que tendem a gerar tensões entre elas, funcionam a contento, devendo se esperar que exerçam plenamente suas tarefas. Quanto ao ambiente social, vale registrar que a onda superlativa que engolfa corações e mentes, acirrando a animosidade entre grupos, deve ser entendida como faísca de civismo e participação política. Nesse sentido, o debate congrega mais interessados,  com visível engajamento de comunidades e movimentos, “como nunca se viu na história deste país”.
O maior escândalo, as mais diversas entidades organizadas, os adjetivos mais contundentes, a maior constelação de crises – econômica, política, hídrica, energética, de gestão, moral –, seja isso verdade ou meia verdade, fazem parte de mais um ciclo de transição por que passa o país. Este é o cerne do problema. O copo dos escândalos transborda. E o clamor social exige um fim aos desmandos e ilícitos.
Por fim, a pergunta: as delações premiadas ajudarão a compor a verdade? Os delatores deverão assim entender: “quem diz a verdade, tem tudo a seu favor”.  Mas que é a verdade? Brecht dizia: “a verdade tem cinco lados”.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
 

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