por Ruth de Aquino EPOCA
Para qualquer lugar que se olhe, os números justificam a cisão entre PT e trabalhadores
O 1º de Maio, Dia do Trabalho, deveria ser uma data de gala para o Partido dos Trabalhadores.
O PT está no Poder há mais de 12 anos, legitimamente eleito em quatro
consultas consecutivas à população. Lula duas vezes. Dilma, mais duas.
Por que então a presidente decide não fazer o pronunciamento tradicional
em cadeia de rádio e televisão para 200 milhões de brasileiros? Por que
não agradecer o voto de confiança dado a ela há apenas alguns meses –
que já parecem uma eternidade?
Medo de um panelaço pior que o do Dia da Mulher. Panelas novas, panelas
importadas, panelas velhas, panelas arranhadas. Medo do barulho infernal
que pode emergir de residências caras, apartamentos modestos ou
barracos. Medo da reação dos trabalhadores, não importa quanto ganhem.
Medo da desilusão dos que perderam o emprego. A taxa de 6,2% de
desocupação é a mais alta desde maio de 2011. O total de desempregados
aumentou 23,1% em relação a março de 2014. As contas públicas
registraram o pior trimestre em 17 anos.
O governo nega medo de panelaço ou de vaia. Dilma prefere gravar e
divulgar alguns vídeos com mensagens nas redes sociais, segundo o
ministro da Comunicação, Edinho Silva. O PT não gostou dessa desculpa
tecnológica. Dirigentes petistas acham “um absurdo” e criticam a
“covardia” de Dilma. Lula também pressiona a companheira. Há duas
semanas, ele apelou em reunião com sindicalistas: “Dilma, se tem gente
para te defender para sair dessa enrascada, é esse pessoal aqui”.
Qual enrascada? Para qualquer lugar que se olhe, os números justificam a
cisão entre o PT e os trabalhadores. Tivemos o pior desempenho da
história da caderneta de poupança, com os saques superando os depósitos
em R$ 23 bilhões. O salário acaba antes do mês. Brasileiros raspam suas
economias. É a maior carestia em 12 anos. A inflação e a desaceleração
econômica aumentam as demissões e diminuem o poder de negociação
salarial. A renda média do trabalhador foi reduzida em 2,8% em março – a
maior queda em um mês desde janeiro de 2003, segundo o IBGE.
Em 2003, em seu primeiro Dia do Trabalho como presidente, Lula fez um
discurso na Igreja da Matriz, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Foi uma fala de improviso, coisa inimaginável para Dilma. “E eu tenho,
na minha cabeça, cada discurso que fiz na minha vida, eu tenho na minha
cabeça cada compromisso que eu assumi em praça pública, eu tenho na
minha cabeça programas de governo e eu tenho na minha cabeça que, se
falhar, quem falhou foi um pedaço da história deste país e,
possivelmente, iremos passar muitos anos para que a gente possa
reconstruir a esperança que brotou no nosso país.” Premonição?
Lula dizia querer ser lembrado pela qualidade de vida de homens e
mulheres. “E sobretudo pela qualidade da educação e da saúde que a gente
quer implantar neste país.” Para tanto, o governo precisa “ter a
habilidade de envolver a sociedade brasileira para se tornar cúmplice do
governo”. “Podem ficar certos que todo 1o de Maio, às 9 horas da manhã,
o presidente da República estará aqui para prestar contas do que
estamos fazendo neste país”, afirmou Lula em 2003, pedindo que “Deus
abençoe todos nós”.
Doze anos depois, onde está a qualidade na educação e na saúde? Doze
anos depois, por que Dilma evita falar em público ou na televisão? Não
quer prestar contas? A sociedade foi, sim, cúmplice do governo e
acreditou no PT, como queria Lula. O PT teve a bênção de Deus, mas se
deixou corromper pelo diabo.
A sociedade só não se sente cúmplice da corrupção e da incompetência que
roubaram bilhões dos trabalhadores e de suas famílias. Agora, o ajuste
fiscal, necessário como um antibiótico com efeitos colaterais negativos,
tira bilhões do seguro-desemprego, da pensão por doença e morte e do
abono salarial. O corte de R$ 18 bilhões em benefícios sociais foi
reduzido para R$ 7,7 bilhões por resistência do Congresso. Onde está o
corte necessário e moralizador nos surreais 38 ministérios? É ou não
“corte na carne”?
Neste Dia do Trabalho, Lula e a CUT querem que Dilma condene a
terceirização aprovada na Câmara. Na segunda-feira passada, Lula disse
que, no 1º de Maio, “tranquilamente, a companheira Dilma vai vetar (a terceirização das atividades-fim das empresas)”.
Se falar, a presidente dirá que não é a favor nem contra, muito pelo
contrário. Dirá que apoia a terceirização para aumentar chances de
trabalho e produtividade. Dirá que rejeita mexer nas conquistas
trabalhistas. Dirá, como o presidente do Senado, Renan Calheiros – quem
diria –, que não dá para liberar geral a terceirização, num momento em
que o Estado aumenta impostos e juros.
Neste feriadão, o povo não quer mesmo ouvir Dilma. Não foi apenas o trabalho que se tornou precário. Foi a presidente.
Neste feriadão, o povo não quer mesmo ouvir Dilma. Não foi apenas o trabalho que se tornou precário. Foi a presidente.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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